Strongest busca por 'Neymar boliviano' na zona leste de SP

Desde 2019, Freddy Huaranca Choquehuanca comanda, no bairro do Belém, o centro de formação de jovens ligado ao tradicional The Strongest

2 mar 2022 - 15h27
Foto: Daniel Arroyo/Ponte

Em um galpão no bairro do Belém, zona leste da cidade de São Paulo, duas pequenas quadras de futebol society estão cheias de crianças e adolescentes vestidos com um uniforme amarelo, em uma tarde de domingo onde a temperatura ultrapassa os 30ºC. Elas recebem orientações sobre posicionamento, esquema tático e fundamentos básicos de futebol dadas por um homem de altura mediana e com forte sotaque hispânico.

Freddy Huaranca Choquehuanca deixou Cochabamba, terceira maior cidade da Bolívia, decidido a estudar, no Brasil, o esporte pelo qual é apaixonado e onde, segundo ele, estão os melhores jogadores do continente. O que era para ser apenas um período de três meses já contabiliza cinco anos e, hoje, o professor de educação física trabalha ensinando futebol aos filhos dos seus compatriotas.

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Treinador Freddy Huaranca Choquehuanca
Foto: Daniel Arroyo/Ponte

“Vim para o Brasil sozinho e sem conhecer ninguém. Dava aulas de futebol na Bolívia e pensava que voltaria para lá em pouco tempo depois de passar um período aqui, mas os planos foram mudando. Ainda bem”, confessa Freddy, no intervalo entre uma das três aulas daquela tarde de domingo.

Mesmo morando entre o centro e a zona leste da capital paulista, região onde reside uma grande comunidade de bolivianos, o professor revela que teve dificuldade para começar a escolinha de futebol que fundou no bairro. Muito por conta da desconfiança dos seus vizinhos, que demoraram a acreditar que alguém vindo da Bolívia pudesse dar aulas de futebol no país que tem a modalidade como um dos pilares da sua cultura.

“Quando vi esse espaço, perguntei se tinha horário disponível para que pudesse dar aulas. Nunca pensei em dar aulas apenas para crianças da comunidade boliviana. Queria dar aula para todos, inclusive para brasileiros. Demorou um tempo até que tivesse alunos suficientes. Cheguei a anunciar na rádio Kantuta, onde a comunidade boliviana tem programas. Aos poucos veio um, que chamou outro e, hoje, estamos com mais ou menos 120 alunos, mas já chegamos a ter 150”, conta, apontando que a queda no número de crianças e jovens ocorreu no período da pandemia de Covid-19. 

Foto: Daniel Arroyo/Ponte

O espontâneo sorriso de Nayeli Callisaya esconde a grande timidez de uma menina de 13 anos que se destaca treinando junto com garotas da sua idade. Quem ver a habilidade da garota, mesmo jogando entre meninos mais velhos, se espanta com a pequena jogadora não tendo medo de ir pra cima e tentar dribles e jogadas de efeito. "Gosto de vir para jogar com as minhas amigas. Estou aqui há apenas um ano e acho que jogo bem melhor agora do que quando comecei", declara em suas poucas palavras a jovem paulistana filha de bolivianos.

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Foto: Daniel Arroyo/Ponte

Os mais fortes

Trabalhando com crianças a partir dos 4 anos até adolescentes de 17, grande parte dos alunos de Freddy são brasileiros com pais bolivianos. A aproximação da comunidade imigrante em São Paulo e o seu trabalho com o futebol no Brasil chamou a atenção de um dos clubes mais populares do país andino.

Foto: Daniel Arroyo/Ponte

O The Strongest (que em inglês significa “o mais forte”) é um clube da capital boliviana, La Paz, e foi fundado em 1908. Um dos orgulhos da torcida é o fato do time ser o único que jogou todas as edições da primeira divisão do Campeonato Boliviano por mais de um século. Atualmente é o segundo maior campeão nacional do país, com 22 títulos, e já participou 28 vezes da Taça Libertadores da América, principal competição de clubes no continente.

Desde fevereiro de 2019, a escolinha fundada por Freddy passou a ser um centro de formação oficial do clube. Em três anos e uma paralisação por conta da pandemia no meio, o trabalho do professor junto ao The Strongest começa a dar os primeiros resultados. 

Foto: Daniel Arroyo/Ponte

No início deste ano, cinco alunos que faziam aulas em São Paulo, sendo três garotos e duas garotas, com idade entre 16 e 17 anos, foram levados para La Paz para serem avaliados pela comissão técnica das categorias de base do clube. Caso sejam aprovados, ficarão na Bolívia para integrar os times juvenil e juniores do Tigre, como é conhecido o clube por conta do seu mascote.

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“A gente fica muito feliz por conseguir levar esses garotos para mais perto do clube. Toda criança, seja aqui ou seja na Bolívia, tem o sonho de se tornar jogador profissional de futebol. Torço muito para que isso aconteça com algum deles”, conta Freddy, sem conseguir esconder o orgulho do seu trabalho, mesmo por trás da máscara.

Brasil x Bolívia

Foto: Daniel Arroyo/Ponte

O futebol boliviano é considerado um dos mais fracos da América do Sul, junto com o da Venezuela. A seleção do país participou apenas de três edições da Copa do Mundo. Em 1930 e 1950 entrou na competição como convidado. Só em 1994 conseguiu se classificar para o mundial disputando as eliminatórias. 

Freddy sabe a dimensão que seu país tem dentro do futebol internacional e esse foi um dos motivos que o fizeram vir ao Brasil. “A gente sempre quer evoluir. Sempre soubemos na Bolívia que os melhores jogadores de futebol do mundo eram brasileiros. Eu vim querendo fazer um curso no Santos porque é o time onde jogaram Pelé, Robinho e Neymar”, destaca o professor.

Foto: Daniel Arroyo/Ponte

Assim como foi alvo de olhos desconfiados quando chegou ao Brasil, o professor sabe que essa realidade também é vivida por seus alunos. “A gente sabe que os brasileiros têm uma relação mais próxima com o futebol do que os bolivianos. Percebo quando jogamos com times de outras escolinhas que os garotos do Brasil são muito competitivos desde muito cedo. Os bolivianos costumam ser mais passivos. Tento mostrar para eles que competir e ter vontade de vencer também é uma coisa boa”.

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O professor pode falar com propriedade sobre determinação em conquistar, aos poucos, seu espaço. É o que ele faz desde que chegou ao Brasil. O que começou de forma despretensiosa, se tornou algo bem maior, não só para ele, mas para comunidade do qual faz parte. E as pretensões tendem a ser maiores. “É legal tudo que está acontecendo. Eu saí da Bolívia sem conhecer ninguém aqui e, quando cheguei, ninguém me conhecia. Olhando para trás, percebo que conseguimos bastante coisa, mas dá para ter mais, né?”.

Foto: Daniel Arroyo/Ponte
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