Projeto social Miratus, com 25 anos, formou atletas da seleção brasileira de badminton e colocou a primeira dupla da modalidade nas Olimpíadas, no Rio 2016, com Lohaynny Vicente e Ygor Coelho, um dos filhos de Sebastião Dias de Oliveira. Ex-interno da Funabem, para menores infratores ou não, funileiro, guardião de piscina e técnico de badminton, Sebastião criou metodologia própria para o projeto social. Ela mistura samba e esporte. Sua história é fascinante.
A história de vida de Sebastião Dias de Oliveira, 59 anos, é inacreditável, não por ser mentirosa, mas porque é improvável. Ele foi interno da Funabem, cadeia para menores infratores ou não, criada pela ditadura, e, entre outras façanhas, construiu a sede do projeto social de badminton onde formou seus dois filhos atletas – o mais velho, Ygor Coelho, disputa em Paris a terceira Olimpíada.
“Cavei sozinho, sem máquina, 198 buracos de dois a dois metros e meio para fazer a fundação”, conta sempre. Em um terreno íngreme na comunidade da Chacrinha, extremo oeste do Rio de Janeiro, ele começou, sozinho, a furar o chão. Era 1998. Levantou paredes, construiu colunas, colocou telhado e deixou a construção da própria casa para trás.
O motivo? Proporcionar oportunidades, evitar que jovens da vizinhança pobre fossem formados pelo crime, ao invés de serem formados por Sebastião. Sua história de vida é tão surpreendente, que começa com sua mãe sendo empregada doméstica na casa do primeiro medalhista olímpico brasileiro, Afrânio Antônio Costa – ele subiu ao pódio na prova de tiro das Olimpiadas da Antuérpia, em 1920.
Na Funabem aos sete anos de idade
A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) foi criada em 1964. Sebastião Dias de Oliveira nasceu no ano seguinte, no Espírito Santo. Aos sete anos de idade, com a mãe morando na casa dos patrões, ficou praticamente órfão e foi internado na Funabem.
Como não podia passar os finais de semana com a mãe, foi mandado para uma unidade em Caxambu, Minas Gerais. Ficou até os 12 anos de idade, quando retornou, ainda interno, para o Rio de Janeiro. “A gente não dava valor a nada”, lembra.
Sebastião passou a adolescência na Funabem, onde vivia uma “vida sem direção, sem perspectiva”. Mas uma conversa decisiva com professor da instituição o convence a fazer o curso de lanternagem – funilaria, como chamam os cariocas. Também passou pelo Senai e começou a trabalhar na própria Funabem.
Fez ainda curso de salvamento aquático, um orgulho que carrega. Com a extinção da Funabem, foi transferido a outro emprego federal, no renomado Colégio Pedro II, onde pode se aposentar no ano que vem.
Foi lá que conheceu o badminton, através de um professor que apareceu com uma “raquete alienígena”. Interessou-se, aprendeu e gostou. Paralelamente, chegou a se envolver com grupo de pagode, quando adotou o nome artístico Donnians Lucas Abreu de Oliveira, que deu ao filho mais novo.
Mas Sebastião tinha outros planos na quebrada, a Chacrinha, onde conheceu sua esposa. Estava decidido a começar um projeto social, sem saber direito qual.
Construção no peito e na raça
A Chacrinha é uma comunidade de pouco mais de cinco mil habitantes na divisa entre os bairros Tanque e Praça Seca, bem maiores. Fica na região de Jacarepaguá, na Cidade Maravilhosa.
A terraplanagem, com enxada e carrinho de mão, levou quatro meses. Sebastião começou a cavar uma piscina no terreno íngreme, que depois comprou. Mas a natação não era tão inclusiva quanto o badminton, mais lúdico, e poderia ser oferecido o ano inteiro, enquanto a piscina, no inverno, só funcionaria com aquecimento.
Desistiu da piscina, deixou o buraco aberto e passou e levantar paredes. O lance agora era o badminton, “uma mistura de vôlei com tênis”, numa definição bem-humorada do filho, Ygor Coelho. Ele tinha três anos quando o pai começou a construção, que hoje tem quatro andares e 1.500 metros de área construída.
“Fui fazendo, pago empréstimo até hoje, mas o importante é que deu certo”, diz Sebastião, que brincava com os dois filhos de badminton no buraco da piscina, para evitar o vento. Quando faltava dinheiro, parava a construção, “aí nascia mato de mais de dois metros, mas eu retomava”.
Miratus, o nome inventado, que já existia
Quando as atividades começaram, “não tinha metodologia nenhuma. Eu nenhum momento eu sonhava em formar campeões, eu queria participar da vida deles até a idade adulta. É uma extensão da educação que os pais dão em casa”, conta Sebastião.
Como muita coisa em sua vida, ele decidiu antes o que se revelou depois. Foi assim com o nome do projeto social, Miratus. Sebastião escreveu a palavra em um livro de ficção que ainda não publicou, gostou dela e usou para nomear a iniciativa de badminton. Depois descobriu que a palavra significava, em latim, “admirável”.
Hoje, o projeto atende 150 crianças com treino esportivo e atividades educativas no contraturno escolar. E desenvolveu metodologia própria. O primeiro passo para entrar em quadra é ter samba no pé. O treino combina o estilo de jogo do esporte asiático com a cultura musical carioca.
Usando percussão e observando a harmonia, alunas e alunos são conduzidos com passos que simulam a movimentação e o posicionamento em quadra, propiciando técnica e preparo físico para a prática do badminton.
“Fui parar na China”, conta Sebastião
O projeto social Miratus é reconhecido nacional e internacionalmente. Seus atletas conquistaram, entre outros, 67 títulos Sul-Americanos. Ygor Coelho, filho de Sebastião, vai para a terceira Olimpíada, em Paris. Lohaynny Vicente, formada no projeto, participou da Rio 2016. São os dois primeiros brasileiros a se classificarem para as Olimpíadas no badminton.
Os atletas do Miratus viajaram para mais de 30 países. “Fui parar na China”, diz Sebastião, que chegou a ser convidado para atuar como técnico da seleção brasileira. Recusou. “É para os atletas chegarem à seleção através de mim, e não eu chegar à seleção através deles”.
Apesar do currículo, do ponto de vista financeiro o projeto social Miratus não vive seus melhores dias. Perdeu o patrocínio da Light, que está em recuperação judicial. E tem dois campeonatos de peso pela frente, no Amapá e no Mato Grosso.
Mas Sebastião sabe que as coisas vão se revolver, apesar de discordar de certos critérios para empresas fazerem patrocínio. “Não pode ver o esporte, tem que ver a causa. Não pode se limitar ao tipo de esporte, tem que ver que somos um projeto dentro de uma favela, não tem político que vem se apoderar. Quando vem com esse papo furado, não cola comigo”.