Brasileira vendeu pão de queijo e bolo “na cestinha, pelo bairro”, nos momentos de maior dificuldade, quando criança. Montou sua primeira bicicleta, peça por peça, trabalhando de garçonete, na adolescência. Fez faculdade, chegou à primeira Olimpíada, no Rio, em 2016. Superou problema sério de saúde, não esteve em Tóquio, e disputa a prova em Paris para estar entre as top dez do mundo.
Quando alguém é “do corre”, significa que a pessoa é batalhadora, corre atrás dos objetivos. Em cima de uma bicicleta, a expressão ganha mais sentido, sobretudo com Raiza Goulão Henrique, de Pirenópolis, cidade turística, de natureza exuberante, no interior de Goiás.
Nada foi fácil para a atleta do montain bike, que montou a primeira bicicleta peça por peça, trabalhando de garçonete. Ela é do Alto do Carmo, bairro que hoje tem gente pobre, classe média e alta, mas na infância de Raiza “era tudo terra”.
A atleta vem de família cujo pai, paulista, chegou em Pirenópolis como hippie, morou em comunidade. A mãe “sempre foi muito, muito humilde, passou por muita dificuldade”. Ela não entra em detalhes. Mas, pela infância, dá para se ter uma ideia.
Nos momentos de maior dificuldade, “minha mãe fazia pão de queijo, bolo, eu e meu irmão vendíamos na cestinha pelo bairro”.
“Colocar um fone de ouvido e sair pedalando”
No corre desde cedo, Raiza aprendeu a “responsabilidade de juntar meu dinheirinho e conquistar minhas coisas”. Aos 16 anos, estudava e trabalhava como garçonete em uma cafeteria. Nos finais de semana, fazia dois turnos para ganhar R$ 80,00. Em dois meses, virou gerente.
Por incrível que pareça, não tinha percebido que uma prova de ciclismo passava em frente à sua casa. “E eu não conhecia. Os clientes do café chegavam com aquelas bikes tops, ali que eu comecei a ver”.
Raiza entrou na faculdade de Administração e começou a batalhar para ter sua bicicleta. “Queria uma bike estilosa, fui comprando as peças, montei, tive o primeiro contato e foi incrível estar na natureza, sozinha, colocar um fone de ouvido e sair pedalando”.
Disputou uma prova como amadora, chegou em terceiro lugar e, daí em diante, engrenou.
De Pirenópolis à Espanha
Começaram os corres por patrocínio, amigos ajudaram. A grana arrecadada, inicialmente para disputar uma prova em Minas Gerais, deu para um semestre de treino. “Um vizinho deu mil reais, outro deu dois mil”, conta.
Antes da maioridade, ganhou campeonatos brasileiros, americanos, até que chegou o momento de preparação para o ciclo olímpico do Rio 2016. “Pensei: realmente, é sério, tenho grandes chances de conquistar uma vaga olímpica”.
Teve que investir, precisava viajar para disputar campeonatos e obter pontos. Estava entre as 30 melhores do ranking mundial e atingiu seu “maior sonho, estar em uma equipe da Europa”.
Assinou contrato com equipe espanhola por dois anos, chegou à 11ª colocação mundial. Mas problemas de saúde a fizeram voltar para o Brasil em 2019. “Chegou um momento que era a carreira ou a saúde”.
Ciclista entrou para a Força Aérea
Raiza se tratou, era a melhor brasileira competindo, mas veio a pandemia, e ela não conseguiu se classificar para a Olimpíada de Tóquio. Tinha sofrido uma queda, o corpo não se recuperava, pegava infecções. Teve a cartilagem do osso corroída por uma delas.
Voltou a treinar em 2022 e, no ano seguinte, obteve vitórias relevantes. Conquistou a vaga para a segunda Olimpíada em maio de 2024. Neste ano, também passou em concurso da Força Aérea. É terceiro-sargento.
“Sou atleta, não piloto de avião. É como se fosse um patrocinador meu. O compromisso é ser atleta e seguir as regras, presto continência no pódio, uso uniforme para momentos formais, cerimônias”.
“Garra e fé vão me guiar muito”
Em Paris, a meta de Raiza é avançar em relação à última Olimpíada. “Quero buscar um top dez do mundo”. Ela fará a prova da sua vida para “entregar tudo que eu tenho”.
A atleta se considera uma representante do interior goiano, “onde só se ensinava futebol”, e uma vencedora “diante de um mundo machista”.
Na hora da prova, diz que vai lembrar de toda sua jornada, entendendo que "a medalha não tem nenhum valor se você não conseguir vivenciar a jornada”.