Cria do Jardim Nove de Julho e atuante na favela Vila Flávia, em São Mateus, zona leste de São Paulo, Fernando Macário, 44, é conhecido nas ruas como “Ator”, profissão que o levou às telas por meio de grandes produções do cinema nacional. Crescer na periferia serviu como base para o desenvolvimento de muitos dos seus trabalhos.
“Levo a realidade, porque enquanto morador de quebrada tive a rua como uma grande escola. Seja lá quem for me der menos do que eu mereço, não aceito, porque é essa questão de ser respeitado. Sou muito sensato e verdadeiro”, diz.
O respeito a si próprio e a relação com o rap levaram Macário ao primeiro trabalho, o filme “Carandiru” (2003). Na época, o artista integrava o grupo de rap Homens Crânio e o coletivo D.R.R Posse (sigla para “Defensores Ritmo Rua”), formado pelos grupos de hip hop Consciência Humana, De Menos Crime, U.Negro, Fim do Silêncio e Apocalipse Negro, que juntos faziam apresentações nos anos de 1990.
Os amigos dele, os atores Preto Aplick, do Grupo Consciência Humana, e Mago Abelha, do De Menos Crime, foram chamados pelo rapper Sabotage para a preparação de elenco do filme; Macário os seguiu.
“Não fui convidado, mas fui nesse bonde, mesmo que não tivesse sido convocado eu iria. Não perderia essa oportunidade”, refletiu.
O ator relembra o papel de orientador que desempenhou ao lado de Sabotage, durante as gravações. “Consegui ter maior destaque, tanto que o Hector Babenco, o diretor, falava ‘não mexe com meus meninos’, porque nós alimentávamos tudo aquilo que ele tinha como intenção. Ele tinha intenção e a gente tinha bagagem.”
Macário explica que essa bagagem e veia artística foram desenvolvidas na época da escola, quando criava personagens e situações que arrancavam gargalhadas dos colegas, o seu primeiro público. Nas gravações, ganhou a atenção da preparação de elenco com sua criatividade e visão de mundo.
“Entrei em uma roda e perguntei para os dois atores que estavam na dinâmica o porquê de estarem brigando. Entrei com a ideia que o preso tinha que se unir e mostrando que o inimigo estava em cima da muralha”, relembra.
Após o filme de Hector Babenco, Macário atuou em diversas produções, como “Cidade dos Homens: Hip Hop Samba” (2004), “Antonia” (2007), “O Cheiro do Ralo” (2007), “O Magnata” (2007), “Vips” (2009), “Serra pelada” (2009), “O Roubo da Taça” (2016), “Carcereiros: Um preso comum” (2018), “Irmandade” (2019), “Minha Fortaleza: os filhos de fulano” (2019), entre outros.
Com os inúmeros papéis, o ator percebe ser comum a atuação de personagens com o estereótipo do homem preto periférico violento.
“A arte no Brasil é um setor totalmente monopolizado. Então, temos entre os maiores desafios representar aquilo que talvez possa parecer nos denegrir, mas não. Vejo como um papel que merece tanto respeito como qualquer outro independente do seu posicionamento social”, observa.
Para ele, a realidade periférica revela o diferencial e uma perspectiva única nesse universo artístico. “A gente tem como verdade, ao contrário dos atores que precisam ficar fazendo laboratório para entender qual é o sentido do personagem. A gente já convive, na maior parte, com pessoas que vivem esses papéis de criminosos; que é o preto estabelecido no cinema”, argumenta.
Macário se identifica como um homem preto periférico e, com 20 anos de carreira, o filho de criação da Dona Edith, diz ter encontrado um papel que o representa em um trabalho recente, o filme “Minha Fortaleza: os filhos de Fulano” (2019), da diretora Tatiana Lohman. O longa aborda realidades de famílias da região de São Mateus, onde ele cresceu.
“É um filme que envolve minha história e está aí no cenário do cinema nacional. É um filme que tem a até minha mãe adotiva, assim como a minha mãe biológica, minha tia, minha família, minha quebrada. Algo que nós construímos juntos, que não tem como não trazer a ele o maior destaque”, justifica.