Dona Lurdes: migrante nordestina, ativista e líder comunitária que ajudou a construir o Jardim São Luís

Ativista lutou por asfalto, moradia, escolas e saneamento básico em diversos bairros da zona sul da capital paulista

8 out 2023 - 05h00
Dona Lurdes, ativista histórica do Jardim São Luís, na cozinha de sua casa
Dona Lurdes, ativista histórica do Jardim São Luís, na cozinha de sua casa
Foto: Créditos: Artur Ferreira/Agência Mural

No distrito do Jardim São Luís, no trecho próximo à Estrada de Itapecerica, está uma das residências mais antigas da região, na zona sul da capital paulista. A proprietária da casa é a aposentada Maria Cecília de Luna, 89, mais conhecida como “Dona Lurdes”, uma das fundadoras do bairro e figura fundamental na luta por melhorias na vizinhança.

Nascida em Alagoa Nova, no interior da Paraíba, Lurdes chegou ao local, atual Jardim São Luís, em 1967, quando a região era praticamente uma zona rural.

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“Além da Estrada de Itapecerica e da Rua Luciano Silva, aqui não tinha nenhum asfalto, só as ruas de terra. A partir da minha casa [sentido bairro] era tudo mato e as poucas casas eram barracos de tábua”, conta Lurdes.

Na Paraíba, contudo, o ambiente rural e as lutas políticas já faziam parte da história de Lurdes, apelido que ganhou do pai na infância e nome de uma irmã mais velha dela.

“[Foi na] Juventude Agrária Católica que ouvi falar a primeira vez sobre os meus direitos; depois entrei no grupo da Ação Católica Rural. Passei a entender a Ditadura [Militar], falavam sobre as torturas e como muita gente foi assassinada em 64 e 65”, conta a ativista.

Em São Paulo, com bagagem política e consciente dos riscos que corria, a migrante nordestina se tornou uma das lideranças à frente dos protestos por moradias populares na zona sul da cidade, durante as décadas de 1970 e 1990. Nessa época, surgiam os movimentos sociais que lutavam pela causa.

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Em sua trajetória, a paraibana liderou associações de moradores do bairro e dos distritos vizinhos, protestou e cobrou por asfaltamento, saneamento básico e água encanada para as primeiras casas do local. Além do Jardim São Luís, participou de articulações por melhorias em outros bairros, como o Parque Arariba e o Campo Limpo.

Dona Lurdes, ativista histórica do Jardim São Luís, na cozinha de sua casa
Foto: Créditos: Artur Ferreira/Agência Mural

Mas para se engajar e conquistar espaço nos movimentos sociais de São Paulo, a nordestina enfrentou um período de adaptação e saudades da sua terra natal.

“Fiquei muito tempo sem participar de nada. Estranhei muito aqui. Era uma terra fria. Lá no Norte, a gente cumprimenta todo mundo com bom dia, boa tarde. Aqui é diferente”.

Sentia falta da costura, profissão que aprendeu no Nordeste, e da máquina que não conseguiu trazer na mudança. Católica devota, Lurdes diz que na Igreja encontrou conforto e, a partir do contato com os vizinhos nas missas, começou a se sentir em casa novamente.

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“Na época aqui era chamado ‘Jardim São João’, e eu ia na Igreja de São João”, relembra a ativista.

Fé em Deus e mãos à obra

Com o apoio do padre Mauro Baptista, Lurdes e outros fiéis criaram um grupo para ajudar na manutenção da igreja. Desse primeiro movimento, ela e outras mulheres, que também eram mães, foram reconhecendo os problemas do bairro.

No início dos anos 1970, formaram outro grupo, exclusivo para mulheres, para reivindicarem seus direitos. O contato com essas mães a fez perceber o desafio que seria educar as filhas, Ana Cristina de Luna e Ana Regina de Luna, sem escolas ou creches próximas disponíveis.

“As mulheres precisavam ir trabalhar, e como iam deixar as crianças?”, questionava a senhora. O grupo realizou protestos para que a subprefeitura solucionasse o problema, o que fez com que o poder público acelerasse a construção de novas creches e escolas na região, nos anos seguintes.

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Dona Lurdes, ativista histórica do Jardim São Luís, na cozinha de sua casa
Foto: Créditos: Artur Ferreira/Agência Mural

Nos anos seguintes, conheceu Olímpio da Silva Matos, ativista que coordenava grupos de moradores de outros bairros, e tinha mais experiência política.

Ele quis conhecer Lurdes pessoalmente, pois precisava da ajuda dela para convencer as famílias que moravam em casas irregulares a buscarem moradias melhores.

“Na época [da prefeitura] da Erundina, tinha muito problema com terreno ocupado, principalmente no Parque do Arariba e do Parque Regina”, relembra.

Ela conta que por meio da parceria com Olímpio foi possível reivindicar mais pautas com a prefeitura da capital e as subprefeituras. A partir dessa união de associações de bairros foram construídas casas regularizadas para várias famílias, em locais como a Cohab Adventista, no Capão Redondo.

Entre as várias batalhas travadas, a construção do CEU (Centro Educacional Unificado) Casa Blanca, em 2004, foi uma das que relembra com carinho especial, pois o projeto significava uma forma de ampliar o acesso à educação, lazer e cultura para os moradores.

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Lurdes foi uma das principais articuladoras, entre os movimentos sociais da região, para tornar o CEU uma realidade. O desempenho da ativista foi reconhecido na inauguração da unidade, com uma homenagem prestada pela prefeita da época, Marta Suplicy.

Placa que homenageia Dona Lourdes na biblioteca do CEU Casa Blanca
Foto: Créditos: Artur Ferreira/Agência Mural

A construção do centro educacional alterou o trânsito da região, bloqueando ruas e acessos. “Foram nove meses de obra. Uma dor de cabeça com alguns moradores. Eles reclamavam dizendo: ‘isso tudo culpa da Lurdes’”, recorda aos risos.

A paraibana lembra de outro desafio nesse período: a formação de novas turmas. “Para inaugurar era preciso ter alunos, e como iam fazer as matrículas se ainda estava em construção?!”

Lurdes contatou a prefeitura, ofereceu a casa como secretaria e mobilizou toda a família. O marido, agora já falecido, Elias Bento de Luna, era aposentado e durante semanas conviveu com os funcionários do CEU. As filhas liberaram espaço para o funcionamento da secretaria, enquanto Lurdes auxiliava todos de forma geral. “Era tanta família para matricular para creche e Emei [Escolas Municipais de Educação Infantil]”, diz.

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Aos 89 anos, Lurdes ainda participa de grupos do bairro, principalmente com outras mulheres, ensinando artesanatos para que elas possam criar outras formas de renda. Devido a idade, diz não ser mais tão ativa quanto deseja, mas faz questão de manter com carinho os cuidados com a casa – a mesma desde que se mudou para São Paulo - e suas plantas.

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