Adanilo Reis da Costa, 32, de nome artístico Adanilo, cresceu do bairro da Compensa, região periférica de Manaus. Por ali subia em árvores, jogava bola, corria pelos becos e brincava de manja (pique-pega ou pega-pega) com seus primos e vizinhos. Esse chão, muitas vezes de barro e marginalizado, moldou todo o trabalho dele, que é ator, dramaturgo e diretor de cinema e teatro. Hoje, com projeção internacional, Adanilo tem pisado em tapetes vermelhos cheio de orgulho ancestral.
Descendente de povos originários das regiões do Baixo Solimões e do Baixo Tapajós, entre os estados do Amazonas e Pará, Adanilo esteve no Festival de Cannes, na França, este ano. O ator participou do lançamento do filme “Eureka”, sendo um dos protagonistas. A produção, que contempla Argentina, Estados Unidos, México e Portugal, é dirigida pelo argentino Lisandro Alonso.
“A ida de ‘Eureka’ pro festival me tornou um pouco mais conhecido na minha cidade. O carinho das pessoas tem sido lindo. Me emociona! A luta é para que mais artistas daqui ocupem cada vez mais lugares. Não devemos em nada de qualidade artística, o problema muitas vezes é a falta de oportunidades”, diz, em entrevista ao Visão do Corre.
O longa se passa na década de 1870 e trata dos problemas enfrentados pelos povos indígenas nas Américas do Norte e Sul, utilizando as diversas linhas do tempo da narrativa para trazer a importância da preservação das tradições ancestrais. Não por coincidência, um tema bastante predominante nos filmes e séries de Adanilo é o destaque às questões indígenas, sobretudo na região norte do país.
“Sou uma pessoa da periferia de Manaus, do Amazonas, do norte. Meus trabalhos precisam e devem passar por esses assuntos”, enfatiza. Para ele, é importante que realizadores nortistas estejam ocupando a linguagem artística cinematográfica. “Mais importante ainda é que nós estejamos escrevendo nossas histórias, protagonizando nossas vivências. O cinema é uma baita ferramenta de informação”, pontua.
Currículo longo
Adanilo também atuou nos longas "Marighella", de Wagner Moura; "Oeste Outra Vez", de Erico Rassi; e "O Rio do Desejo", de Sérgio Machado. Dois de seus trabalhos recentes, os filmes "Noites Alienígenas", de Sérgio de Carvalho, e “Ricos de Amor 2”, de Bruno Garotti, estão disponíveis na Netflix.
O manauara integra ainda o elenco das séries "Segunda Chamada", da Globo, dirigida por Joana Jabace; "Dom", da Prime Video, dirigida por Breno Silveira; "Cidade Invisível", série original Netflix comandada por Carlos Saldanha; e "Um Dia Qualquer", direção de Pedro Von Kruger para o streaming HBO+.
Como diretor, Adanilo dirigiu os espetáculos de teatro "Bicho Doido" e "Primeiro Quarto". Já na função de dramaturgo, Adanilo lançou textos nos livros "Outras Dramaturgias", "Amazonas Dramaturgias" e foi premiado no concurso Jovens Dramaturgos, do Sesc, publicando o livro da sua peça "Bicho Doido".
Tudo começou no teatro
Foi no bairro da Compensa que Adanilo teve as primeiras experiências artísticas. Ele conta que dançou na Ciranda Império, uma agremiação folclórica que se apresenta no período de festas juninas, nos arraiás. Além disso, se envolveu com grafite, e parte da cultura hip hop da região. Depois, teve até uma banda de pagode.
“Todas essas experiências me fizeram transitar bastante pelas ruas e becos do bairro, conhecer pessoas. Estava criando essas primeiras camadas de arte em mim”, reflete.
Em Manaus, no ano de 2012, Adanilo foi co-fundador da Artrupe Produções, onde desenvolveu filmes, peças de teatro e eventos culturais diversos, participando de editais e festivais locais e nacionais. Atuou ainda nos grupos Apareceu a Margarida, Grupo Origem e Cês em Cena.
“[Em 2011] eu cursava Rádio e TV quando fui fazer um curso de teatro. Nunca tinha ouvido falar de teatro em Manaus. Fiquei encantado ao descobrir que existiam atores profissionais na cidade, que a cena artística da cidade é tão potente.”
Nesse momento, ele soube o que queria fazer da vida. “Nem cheguei a concluir Rádio e TV, passei a me dedicar às artes”, explica.
Dois anos depois, em 2014, fez seu meu primeiro filme, "A Menina do Guarda-Chuva". No ano seguinte, estreou "Aquela Estrada", e em 2016 "O Tempo Passa" - todos disponíveis na internet.
“Com esses trabalhos, consegui espaço no mercado nacional. Aí, em 2017, fiz o ‘Marighella’, minha primeira grande produção, que ajudou a me projetar.”
“Me perceber indígena”
No Rio de Janeiro, onde também morou, colaborou com a criação da Companhia Casa 407, investigando a linguagem da palhaçaria e do teatro de rua, e fundou o Teatro Galeroso, grupo que investiga as artes cênicas e audiovisuais a partir de uma visão amazônica decolonial periférica.
Justamente no Rio de Janeiro, em 2016, é que Adanilo começou a se perceber indígena. Até então, ele nunca tinha pensado sobre suas origens e ancestralidade.
“Um dia pensei: ‘de onde eu vim?’. Logo entendi que era cria da Compensa. E a periferia de Manaus é composta em sua maioria por pessoas pretas e indígenas. Fui conversar com minha família e aí fomos entendendo, revivendo e relembrando a nossa trajetória”, conta.
Para Adanilo, seu território é sua essência e seguirá sendo refletido nos trabalhos em que atua. Inclusive, entre os projetos em desenvolvimento, está uma série sobre o bairro da Compensa. O longa "Omágua Kambeba" e o curta "Castanho", já pronto, também devem estrear em breve.