Gastrostomia (GTT) pode ser um termo desconhecido para a maioria dos brasileiros, mas trata-se de um dos métodos para fornecer alimentos e líquidos ao paciente que necessita de uma via alternativa de alimentação por mais de um mês, devido alguma deficiência ou complicação no estado de saúde.
“Nos Estados Unidos há mais de 240 mil gastrostomizados, na França, 30 mil. No Japão são 100 mil pessoas. E no Brasil, somente na Bahia, meu Estado, temos mais de 2.400 nos três últimos anos. Entre 2015 e 2016, devido ao surto de zika vírus, 3 mil crianças nasceram com microcefalia, 90% necessitam do uso da sonda”, explicou a idealizadora e cofundadora da startup Absorvente Dérmico, Nilza Carla, de 44 anos.
João Pedro, de 15 anos, por anoxia perinatal no parto, tem paralisia cerebral e faz uso diário da sonda gástrica. A falta de produto adequado para sonda gástrica torna o filho mais velho de Nilza e milhares de outras pessoas propensas a febre e calafrios, devido ao vazamento do suco gástrico, além de ardência, sangramento, odor, irritação e vermelhidão da pele, inflamação e infecções oportunistas.
Dessa forma, o Absorvente Dérmico surgiu com a necessidade de conter os líquidos (água, suco gástrico e secreção de modo geral) que saiam da gastrostomia do menino. “Todas as vezes que levava o João Pedro para as atividades de reabilitação, a profissional de fisioterapeuta perguntava: “'Mãe, ele fez coco? ou vomitou?' Na sala da fonoaudiologia, a mesma pergunta. Eu ficava chateada”, contou Nilza.
“Percebia que sempre tinha um odor concentrado, entendia que não era um cheiro de fezes mas era um cheiro característico de acidez, que é justamente os líquidos que junta com o suco gástrico. O líquido escorria pela pele, nessa época a gente usava a compressa de gaze estéril por orientações dos profissionais de saúde, para conter o suco gástrico”, explicou a cofundadora do Absorvente Dérmico.
Ao conversar com outra mãe, cujo filho tinha as mesmas necessidades, Nilza foi orientada a utilizar absorvente íntimo feminino com fita crepe. Em 2016 decidiu que não queria mais ficar adaptando um produto que não era apropriado para o uso que ela o destinava.
Então, através do Edital de Inovação para a Indústria Senai Cimatec, que incluía visita técnica, surgiu a oportunidade de profissionalizar o produto. Mas foi em 2018 que a gestora administrativa, moradora de Nova Brasilia de Valeria (antiga Fazenda Coutos), na periferia de Salvador, recebeu uma ligação que realmente impulsionou o desenvolvimento do Absorvente Dérmico.
Ivan Schaeffer e a Empresa C.Centaurus Technology se tornaram parceiros da startup e responsáveis pela produção, investimento, execução e assessoria de importações e exportações, consultoria e vendas sob demanda para China, Índia, Brasil e Uruguai. “Em três meses estávamos com o primeiro protótipo do produto. Em 2019, estávamos com o segundo protótipo”, disse a empreendedora.
Devido a pandemia do covid-19, a startup parou as atividades. Em 2021 retornou aos poucos e finalizou o pedido de patente. Neste ano, estão com o molde do protótipo que ainda precisa ser finalizado, para então ser testado, produzido em escala e comercializado.
Além de Ivan e Nilza, a equipe é composta ainda pela gastropediatra e nutricionista infantil Katia Falcão, médica responsável por atestar a necessidade e a produção de maneira que atenda as especificações necessárias de um produto hospitalar e Maria Batista, cofundadora e diretora financeira da empresa.
O projeto foi selecionado pela Academia Para Mulheres Empreendedoras AWE Brasil, Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e selecionado para participar da Trilha de Negócio de Impacto pelo Sebrae.
“Criamos o nome para o produto: JO+ Absorvente Dérmico - Transformando vidas! Autonomia com liberdade. JO + significa João e quem mais precisar, de ter qualidade de vida, com segurança e conforto usando Absorvente Dérmico”, explicou a cofundadora.
O Absorvente Dérmico
Este é o primeiro produto pensado no bem-estar do usuário de gastrostomia. Envelopado feito com duas opções de matérias: a primeira, um sanduíche de tecido-não-tecido (TNT) de polipropileno recheado de um polímero superabsorvente, e a outra opção composta de uma espuma de poliuretano impregnada polímero de resina superabsorvente.
“O sanduíche de TNT, que era meu preferido, foi voto vencido em favor da espuma de poliuretano impregnada de polímero superabsorvente”, afirmou Ivan após colher feedbacks das mães, na fase de teste dos produtos.
Três crianças testaram o produto, cada uma recebeu dois modelos e tamanhos pequenos e médios, em crianças com paralisia cerebral, microcefalia e outros diagnósticos.
“As características apontadas pelas mães foram: uma hiperabsorção, antialérgico, tamanhos apropriados, com preço popular e extra fino, anatômico e não gera a sensação de volume, é totalmente respirável e evita possíveis barulhos durante a movimentação do usuário. Macio ao toque,segurança e conforto”, demonstrou Nilza.
De acordo com a empreendedora, houve também uma considerável diminuição do aparecimento das complicações na pele, além de proporcionar mais conforto e higiene ao usuário.
Para Nilza, este é um produto pioneiro, que evita dor e sofrimento. “Muitas vezes meu filho foi medicado de forma incorreta, por causa dessas complicações. Nunca conseguirei provar isso, mas o convívio do dia a dia me permite validar. Saber que meu filho não interna em unidade hospitalar como antes, teve uma redução drástica, pelo tempo que passou a usar (adaptações com absorvente íntimo feminino)”, desabafou a mãe de João Pedro e Maria Júlia, de 9 anos.
As fundadoras enxergam o produto como uma oportunidade de baixo custo, que irá gerar lucro e mudar o panorama do setor de saúde que utiliza sonda gástrica (tipo botton). E pretendem, futuramente, após estudos técnicos, ampliar o seguimento para pós cirurgia ortopédica, com colocação de hastes externas.
“Geraria tranquilidade para mim saber que se um dia eu precisar usar sonda gástrica, por algum motivo, tendo o Absorvente Dérmico no mercado disponível para aquisição, não serei vítima, assim como meu filho e os mais de 400 mil outros clientes”, finalizou Nilza.