Crescimento e desenvolvimento são termos muito utilizados em discursos de liderança de todos os setores, seja governo, empresariado ou organizações não governamentais. O desafio é pensar em desenvolvimento para a população que vive em favelas e áreas de risco, sem condições mínimas de sobrevivência e sem perspectivas de mudanças. Devido a essa realidade, projetos políticos e todos os outros esforços governamentais ganham aliados, como organizações da sociedade civil dispostas a trabalharem pela aceleração do desenvolvimento social.
Além do terceiro setor, que une o governo, o empresariado e a população em projetos específicos às comunidades, o empreendedorismo social participa contribuindo não só na parte econômica ou social, mas também individual. A criatividade do empreendedor proporciona sustento, cidadania e envolve os participantes no desenvolvimento de periferias e favelas.
Mesmo com tais ações, o combate à desigualdade ainda está longe de terminar. Pessoas comuns, sem nenhum interesse ou ligação com entidades governamentais, exercem papéis fundamentais através da solidariedade.
De acordo com a última pesquisa feita pelo Datafolha, 71% dos brasileiros têm interesse no voluntariado. Conforme o IBGE, 48% já fez ou faz algum tipo de trabalho gratuito. Liliane Silva, de 42 anos, faz parte das estatísticas de quem luta pela causa solidária há 26 anos. É fundadora do Projeto De Mãos Dadas, localizado em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte. O município tem cerca de 340 mil pessoas e 148 bairros. Estatísticas do IBGE apontam que 35% da população nevense sobrevive com renda mensal de até meio salário mínimo.
Liliane é autônoma e só no Bairro Tony, onde mora, atua como voluntária há 10 anos. O Projeto de Mãos Dadas contava com o apoio de 15 pessoas para ajudarem nas anotações dos pedidos e nas entregas, até o ano de 2020. Hoje, são cinco pessoas devido à diminuição das doações. “Não há pedidos específicos. São pedidos de alimentos, móveis, roupas, brinquedos, medicamentos e até materiais de construção” diz.
Atualmente, o projeto não consegue arrecadar alimentos suficientes para os mais necessitados. Antes a equipe conseguia abastecer 70 famílias com verduras e frutas. Com a inflação, diminuíram de forma brusca as doações de cestas básicas.
Apesar da queda das parcerias das ações voluntárias, a autônoma não abre mão de contribuir. Já atendeu pedidos de outras cidades como Curvelo, Felixlândia, Santa Luzia, Sabará, Contagem, Juatuba e Belo Horizonte. Questionada sobre se tratar de uma missão, querer ajudar mesmo fora de épocas excepcionais, como pandemia, Natal, guerra, etc, Liliane explica: "fui moradora de rua por muitos anos e prometi que se saísse das ruas, ajudaria o próximo por toda a vida."
Tatiani Martins, de 37 anos, já fez parte do quadro de voluntários e afirma que muitos da região são ajudados. Conta que por onde Liliane passa deixa uma mensagem positiva e incentiva as pessoas a não desistirem diante das dificuldades. Tatiani foi beneficiada e também ajudou na distribuição de água mineral para famílias dos bairros Fazenda Castro e Metropolitano. “Depois que vi a seriedade do projeto, me disponibilizei a ajudar. Lili tem muita credibilidade, não gosta de nada errado e procura manter a dignidade das pessoas”, declara.
Outra entre centenas de beneficiados pela voluntária é Sibele dos Santos, de 42 anos, autônoma, moradora do município de Conselheiro Lafaiete. Ela relata que a mãe tem úlcera venosa e elas estavam sem condições de comprar os itens para fazer os curativos e os remédios, e a única ajuda foi por meio da solidariedade. “Acho muito importante esse projeto da Lili e tenho muito a agradecer”, fala.
Carla Aparecida, 48, teve as telhas da casa arrancadas pelo vento e recebeu auxílio através do projeto. “Ribeirão das Neves é uma calamidade pública a respeito de tudo. Se você procurar um emprego, você não acha, se procurar ajuda, não acha, ninguém ajuda a gente como a Liliane ajuda” comenta. Carla acrescenta que o projeto precisa se fortalecer e para isso tem que dar continuidade às ações feitas durante a pandemia e criar uma ONG, para a solidariedade alcançar mais pessoas.
Outra moradora da região, Rosângela é amiga de Liliane e torce para que ela consiga registrar as ações que pratica e que seu trabalho seja reconhecido e multiplicado. Rosângela recebeu ajuda para reformar a casa. A mãe dela é acamada e não podia continuar vivendo no local por causa do mofo. Liliane conseguiu os materiais, mãos de obra de voluntários e tudo ficou mais confortável, do jeito que a mãe dela sonhou. Além de todo esse apoio, ela relembra emocionada que recebeu da amiga um bolo de aniversário de presente e se sentiu especial. “Ela esquece de si, tudo dela é em prol das pessoas, ela é iluminada”, conclui.
O De Mãos Dadas não é registrado. A idealizadora comenta que às vezes não tem onde armazenar as doações e que precisa de um espaço maior. “Gostaria de registrar uma ONG, mas o custo é alto, requer espaço e condições financeiras que eu não tenho”, desabafa.
Ainda falta muita coisa para Liliane diminuir a lista de pedidos, em especial itens de supermercado e saúde. Cestas básicas, medicamentos, produtos para pessoas acamadas, fraldas geriátricas e principalmente transporte para levar as doações. “Antes nós pagávamos do bolso uma carretinha para levar as doações às famílias. Hoje elas mesmas têm que buscar”.
Liliane explica que não tem apoio suficiente para ajudar a todos que precisam de verdade e que a conta não fecha. “Existe um certo descaso pelo trabalho voluntário sem nenhum lucro”, comenta. O projeto busca visibilidade para que todos vejam o quanto é importante doar. “Nós precisamos de pessoas para nos ajudar em determinadas doações que fazem muita diferença na vida do outro. Precisamos de patrocínio para juntos acolhermos famílias carentes” diz.
A voluntária é motivada a ajudar por amor ao próximo. Mesmo com as dificuldades, ela pretende continuar com as ações e conta com o apoio de parceiros: "sozinha não consigo, me ajude a ajudar". A proporção das necessidades da comunidade é grande e variada, sendo que qualquer pessoa física ou jurídica pode contribuir de alguma forma. “O desejo de todos é que a cultura da solidariedade permaneça mesmo fora de época”, finaliza.