Espetáculo que começa no trem traz a zona leste de SP como cenário

Reset Brasil, do Coletivo Estopô Balaio, conta história de batalha indígena e traz reflexão sobre colonização e ancestralidade

24 mai 2023 - 05h00
Peça leva público para uma viagem no tempo até a terra de Ururay
Peça leva público para uma viagem no tempo até a terra de Ururay
Foto: Cassandra Mello

As ruas do Jardim Lapena, no distrito de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, agora são palco de uma peça de teatro. O bairro é o principal cenário do espetáculo “Reset Brasil”, que está em cartaz pelo Sesc Belenzinho até o dia 15 de junho, com sessões gratuitas.

A peça é uma criação do Coletivo Estopô Balaio, formado por atores do Jardim Romano, também na zona leste. Em 2020, o grupo foi vencedor do prêmio Shell com a obra “A Cidade dos Rios Invisíveis”, que abordava histórias de enchentes e alagamentos vividas pelos moradores, e também percorria as ruas do bairro.

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Em Reset Brasil, o elenco convida o público a refletir sobre a colonização do país, através da história de uma das mais importantes batalhas indígenas de São Paulo: o Cerco de Piratininga.

Em 1562, indígenas contrários à catequização promovida pelos portugueses cercaram a região do Pátio do Colégio em um ataque contra a vila de Piratininga, que se tornaria mais tarde a cidade de São Paulo.

Na peça que circula pelas ruas do Jardim Lapena, o grupo teatral mostra que o Cerco de Piratininga foi organizado por indígenas que viviam nas terras de Ururay, onde hoje é o distrito de São Miguel Paulista.

Peça discute colonização do país e retoma importância da ancestralidade indígena
Foto: Cassandra Mello

“A gente tenta dar uma resetada em muita coisa que a gente aprendeu e que foi condicionado a achar que é verdade”, conta a diretora Ana Carolina Marinho.

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A apresentação começa na estação Brás, da linha 12-Safira da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), onde os espectadores recebem fones de ouvido e embarcam num trem rumo à zona leste da cidade.

Na viagem de 20 km até a estação São Miguel Paulista, o público descobre que o Brasil “sumiu do mapa” e é guiado até Ururay por vozes de crianças e anciãos, que falam em português e idiomas nativos. 

No desembarque do trem, os atores comandam uma caminhada de 2 km dentro do Jardim Lapena, onde a peça se mistura à rotina do bairro e os moradores são convidados a participar das cenas.

Ruas do Jardim Lapena viram cenário de peça que discute levante indígena em 1562
Foto: Jessica Bernardo/Agência Mural

No trajeto, o público conhece personagens da região, como a benzedeira Socorro, que serve um caldo para os visitantes, e a vendedora de açaí Olga Silva, que é migrante nordestina e conta que um de seus ancestrais foi “pego no mato” – expressão que define o sequestro de indígenas durante o avanço das cidades.

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Os depoimentos da população foram selecionados pelo grupo de teatro durante a pesquisa para o espetáculo. “A gente intuía que conseguiria encontrar [pessoas indígenas e com descendência indígena] e, de fato, a gente foi encontrando”, conta Ana Carolina.

A artista lembra que o dramaturgo da peça, Juão Nyn, também é indígena. “Ele é [do povo] Potyguara e foi fundamental para fazer essas provocações que envolvem etnia, retomada indígena… [para] essa fala sobre a consciência histórica desse país”, afirma a diretora.

Em cenas que misturam passado e presente, a apresentação resgata detalhes do que foi o Cerco de Piratininga ao mesmo tempo em que revela batalhas atuais das periferias.

Moradora do Jardim Lapenna e líder do Movimento Mães de Maio da Leste, Márcia Gazza faz uma participação emocionante na peça. Em 2015, ela teve o filho de 21 anos assassinado pela polícia durante uma abordagem em plena luz do dia.

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Outro destaque da apresentação é a presença do elenco infantil, que conta com sete crianças e adolescentes na temporada feita em parceria com o Sesc Belenzinho.

Sincronizados, os pequenos atores passeiam pelas ruas entoando cânticos e apresentando falas sobre a valorização da ancestralidade. Uma das adolescentes conta que se descobriu indígena durante o processo de construção da peça. A mãe dela também participa de uma das cenas.

Atualmente, o Coletivo Estopô Balaio tem sete integrantes, sendo formado majoritariamente por artistas indígenas – Dunstin Farias, Keli Andrade, Juão Nyn, Mara Carvalho e Lisa Ferreira, além de Ana Carolina e Wemerson Nunes.

Formado no Jardim Romano, Coletivo Estopô Balaio vai a São Miguel Paulista para contar história de batalha indígena
Foto: Cassandra Mello

A peça termina na Praça do Forró, ao lado da estação São Miguel Paulista, depois de quatro horas de um espetáculo que reúne história e atualidade, e apresenta o Brasil antes do Brasil. 

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Para assisti-lo, é preciso reservar um ingresso no site do Sesc São Paulo. As apresentações acontecem às quintas e sábados, às 15h.

SERVIÇO

Reset Brasil - Coletivo Estopô Balaio

Local: Estação Brás (Linha 12-Safira da CPTM)

Duração: 4 horas

Data e horário: Quintas e sábados, às 15h, até 15/06

Preço: Gratuito, reservar ingressos em sescsp.org.br

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