O sol se põe, as temperaturas despencam e Marcos dos Santos Luz, conhecido como seu Nenê, de 44 anos, começa a juntar pedaços de madeira para acender uma fogueira no distrito de Marsilac, área rural no extremo sul da cidade de São Paulo. Sem dinheiro para comprar gás, ele aquece a água no fogo e enche garrafas pet para amenizar o frio de 5,6ºC registrado pelo Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), da prefeitura, a menor no município.
Enquanto a água borbulha na panela, ele senta ao redor da fogueira enquanto esfrega as mãos, ao lado do filho e do cachorro Faísca, que treme ao se afastar das chamas. Depois de encher as garrafas com água quente, ele as enrola numa toalha e coloca embaixo do cobertor, ao lado dos pés.
A técnica apenas ameniza o frio, pois a casa onde seu Nenê mora com a família tem diversos pontos sem vedação, como vidros quebrados, frestas nas portas e espaços entre as telhas e a parede. Durante a madrugada, o vento passa por esses buracos e a família faz o que pode para se proteger.
"Tem uns buracos que precisa tampar. A gente tampa os buracos do quarto com uns panos. Às vezes, a gente acorda no meio da noite, veste as blusas que tem e se embola. Veste duas, três calças, coloca blusas por cima. Pega o que tem e vai se arrumando. Já passamos muito frio nesse lugar", conta ele à BBC News Brasil.
Os bairros de Parelheiros e Marsilac registram as menores médias de temperatura da cidade de São Paulo, por estarem numa área pouco habitada e muito próxima à Serra do Mar.
"De vez em quando, eu saio 4h para ir trabalhar e aqui está geando. A horta e a pastagem dos animais estragam tudo. Queima bananeiras e as árvores secam", afirmou seu Nenê.
Papel nas frestas
Antonina Aparecida de Castro Silva, de 72 anos, também mora em Parelheiros e adota uma série de medidas para amenizar o frio.
"Não tenho torneira quente e o chuveiro nesse frio só fica morno. Então, tomo banho mais cedo e me agasalho muito porque eu sinto bastante frio no pé e na orelha. Sou de idade e sinto muito frio. Mesmo que esteja sol, a casa parece uma geladeira", contou ela.
Ela conta que passou a dormir no quarto do meio da casa porque ele é menos atingido pelo vento.
"O cômodo onde eu durmo é o único que não pega o vento do quintal, que atinge a sala de um lado e, do outro, o quarto do meu filho. Minha sobrinha me deu um pijama que aquece bem. Também coloco aquela cobra embaixo da porta para evitar o frio. A janela da cozinha é um vitrô basculante que não fecha direito, mas coloquei papel na fresta e agora melhorou", contou Antonina.
Seu Nenê contou que recentemente a família dele cresceu de maneira não planejada e apertou as contas da família. Logo depois que seu Nenê e a mulher dele resolveram adotar o filho da nora dele, de pouco mais de um ano, o casal teve uma gravidez não planejada. Com duas crianças de colo em casa, uma de 4 meses, a família faz de tudo para economizar.
"O gás agora está R$ 130, então a gente só usa para cozinhar o necessário, como a mamadeira para as crianças. Quando acaba, a gente recorre à lenha até para fazer a comida. A gente faz uma armação de bloco nas laterais e coloca uma grelha em cima. O vizinho da madeireira que me dá, mas pegamos na mata também", afirmou.
Recorde negativo
De acordo com o último levantamento feito em 2020 pela Rede Nossa São Paulo, o bairro do Marsilac é o que mais aparece nas estatísticas negativas. Entre elas, a de maior tempo de deslocamento no transporte público. Enquanto um morador do Brás (centro) gasta, em média 31,3 minutos, em Marsilac esse número salta para 124,7 minutos.
Segundo a Rede Nossa São Paulo, o distrito tem o maior coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho respiratório. Também tem o maior coeficiente por câncer do aparelho digestivo (fígado e pâncreas).
Seu Nenê diz que o bairro é esquecido pelo poder público.
"A prefeitura não vem aqui, não. Não temos numeração na rua. Falam que vai arrumar a estrada, mas só fazem uma gambiarra e não voltam. Vivo aqui desde criança. Quem mora mais perto da serra passa tanto frio que precisa ir para o hospital", afirmou.
Durante a visita ao local, a BBC News Brasil identificou no bairro postes sem luz. A rua onde seu Nenê mora também não é asfaltada.
Ao ser questionado sobre qual é seu sonho, seu Nenê diz que "é terminar de reformar a casa para ter mais conforto".
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), informou que "realiza trabalho intensificado neste período de baixas temperaturas em todas as regiões da cidade. Em Parelheiros e Marsilac, localizados no extremo sul da cidade, foram distribuídos 668 itens de primeira necessidade, tais como cestas básicas, cobertores e colchões, no período que compreende os meses de abril e junho de 2022".
A administração municipal disse ainda que distribuiu mais de 45 mil cobertores a pessoas que vivem em situação de rua.
Questionada, a prefeitura disse que fará uma ronda no bairro do Emburá, no Marsilac, para saber se é necessário fazer algum reparo na rede e que "aguarda autorização para devidas providências de expansão da iluminação".
A Subprefeitura de Parelheiros, responsável pelos distritos de Parelheiros e Marsilac, informou que a Estrada José Lutzenberg, próximo à casa dos entrevistados, será revitalizada por meio do Programa "Melhor Caminho", da Secretaria Estadual de Agricultura.
A administração municipal disse que doou 128 cobertores nos dias 12, 13 e 14 de junho na região.
A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de que os próximos dias se mantenham com temperaturas baixas, com mínima prevista de 11ºC para esta quinta-feira (17/06) e 12ºC na sexta (18/06).
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61820594