'Foi morto por ser negro e morar na favela', diz patrão de vítima de ação policial em Guarujá

Filipe de 22 anos trabalhava em uma barraca de praia no litoral de SP, e, segundo patrão e família, foi morto ao sair para comprar macarrão

2 ago 2023 - 13h20
(atualizado às 14h46)
Filipe do Nascimento, de 22 anos, trabalhava em uma barraca de praia em Guarujá, no litoral de São Paulo
Filipe do Nascimento, de 22 anos, trabalhava em uma barraca de praia em Guarujá, no litoral de São Paulo
Foto: Reprodução/Facebook

Filipe do Nascimento, de 22 anos, trabalhava em uma barraca de praia em Guarujá, no litoral de São Paulo. Mas, na última segunda-feira, 31, foi morto por policiais da Rota no bairro Morrinhos. A Secretaria de Segurança Pública alega que todas as pessoas mortas na Operação Escudo trocaram tiros com os agentes. No entanto, o patrão do rapaz, sua família e amigos afirmam que Filipe era trabalhador, havia saído apenas para ir ao mercado naquela noite e não tinha arma de fogo. 

O jovem está entre os mortos na Operação Escudo, realizada pela Polícia Militar, em Guarujá. A ação -- iniciada em 28 de julho e prevista para prosseguir até 28 de agosto -- tem como objetivo localizar e prender os assassinos de Patrick Bastos Reis, policial militar das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da corporação. O agente foi morto a tiros no dia 27, na comunidade da Vila Zilda

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Filipe, no entanto, não está entre os suspeitos pela morte do policial. Em entrevista ao Terra, Douglas Brito, dono da barraca de praia em que o rapaz trabalhava, que além de patrão se tornou amigo do funcionário, afirmou que o jovem tinha passagem por tráfico de drogas, mas não estava mais envolvido com o crime. 

"Ele trabalhava comigo há mais ou menos três anos [na barraca de praia]. Era um rapaz que não tinha costume de faltar, era pontual, era uns do que mais vendia, o pessoal do trabalho e os clientes gostavam dele. Ele trabalhou esse fim de semana comigo, paguei ele no domingo, e na segunda mataram ele", disse o patrão.  

Segundo a companheira do jovem relatou a Douglas, no dia do crime, o jovem foi ao mercado comprar umas coisas com o dinheiro que tinha recebido no trabalho. "Eles [Filipe e a companheira] iriam fazer uma comida rápida, mas viram que não tinha macarrão e ele retornou em outro mercadinho mais próximo à casa dele, por volta de 20h", relatou. 

A companheira do jovem também contou ao chefe dele que, poucos minutos depois que o marido saiu para ir ao mercado, ela ouviu barulhos de tiro. "Já com receio, em seguida, ela foi atrás. Assim que ela abriu a porta e desceu o beco, viu o policial jogando a bicicleta que Filipe estava usando dentro do mangue. Ela questionou o que havia acontecido e onde estava o marido, mas os policiais disseram para ela que ela não devia sair aquele horário, porque estava tendo operação". 

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Os policiais mandaram ela entrar na casa de outra família, que estava próxima do local em que ela falou com os agentes. Após não ouvir mais barulhos de tiros, ela saiu novamente e mostrou fotos do marido aos policiais, mas foi informada pelos militares que nenhum dos mortos era Filipe. 

"Ela foi na delegacia por volta de 1h, questionar se tinha alguma informação dele". Porém, na delegacia não havia registros com o nome do jovem.

"Quando ela voltou [para a comunidade] viu os vizinhos todos em volta de outra casa que fica próxima da dela. Aí ela foi ver o que estava acontecendo e ouviu eles falando que os policiais pegaram um rapaz, moreno, alto, com casaco e boné. Ela falou que pela descrição seria o marido dela. Aí os vizinhos contaram que os policiais o jogaram em um barraco vazio e dispararam contra ele. Falaram que ele ficou um bom tempo caído e os policiais teriam colocado um saco na cabeça dele e retiraram o corpo". 

Segundo a esposa, neste mesmo dia, durante o início da tarde, os policiais haviam batido na porta da casa dela e Filipe que atendeu. Segundo ela, os policiais pediram os documentos dele, conversaram e um dos agentes entrou dentro da residência deles e questionou as crianças, de 7 e 9 anos, se tinha algo ilícito guardado no local e se Filipe fazia alguma coisa de errado ou usava drogas. Durante a noite, ele foi morto. 

Como a companheira e Filipe não são casados no cartório, ela e Douglas foram reconhecer o corpo no Instituto Médico Legal (IML) de Praia Grande e tiveram que voltar ao Guarujá pra pedir uma autorização ao delegado para que o rapaz não fosse enterrado como indigente. Eles ainda estão realizando os trâmites para conseguir fazer o velório e o enterro do rapaz. 

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"Agora a esposa está abalada e com medo de ficar aqui [no Guarujá]", disse o chefe. "Eu tinha fotos dele trabalhando, comprovante de pagamento, argumentos que contradizem a polícia. Ele tinha sim passagem pela polícia, mas já trabalhava comigo faz tempo. Então tem uma base sólida que ele não era envolvido. Realmente aconteceu por essa questão de classe, preconceito por ser negro, ter passagem". 

Após a morte do jovem, seu patrão fez uma postagem nas redes sociais, onde colocou fotos de Filipe trabalhando, vídeos dele rindo com os colegas de trabalho e até mesmo dançando. Ele ainda postou o comprovante de pagamento que tinha feito ao rapaz um dia antes dele ser morto. Neste post, o chefe do jovem escreveu: 

"Quando falei para tomarem cuidado que a rua à noite estava perigosa, é por isso: rapaz que trabalhava e trabalhou comigo nesse último fim de semana ao sair de noite de casa, por volta das 20h, foi morto por ter passagem, ser negro e morar na favela. Rapaz já trabalhava comigo a mais de um ano. Paguei ele domingo, 30/07, e 31/07 mataram ele. Essa fatalidade ocorreu no Morrinhos 4, no beco Canaã, ele estava indo sentido o mercado Cuevas", lamentou Douglas. 

Postagem feita por patrão de Filipe
Foto: Reprodução/Redes Sociais

A postagem teve mais de 2.000 compartilhamentos nas redes sociais, incluindo outros conhecidos de Filipe, que deixaram comentários como:  "Que o senhor lhe receba de braços abertos, menino de bom coração, esforçado e trabalhador. O passado das pessoas condena elas! Infelizmente!", lamentou uma conhecida.

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"Quem conhecia o moleque sabe o quanto era trabalhador e honesto, que Deus o tenha, muito triste", escreveu um rapaz. "Moleque bom, trabalhei um bom tempo com ele na praia, ano de 2016 ainda, que Deus o tenha", acrescentou outro colega. 

Denúncias de violência policial

Viaturas da Rota seguem andando pelas comunidades; na foto, policiais fazem patrulhamento na Vila Zilda, onde policial foi morto
Foto: Isabella Lima/Terra

Essa não é a primeira denúncia de violência por parte de policiais da Rota nas comunidades periféricas de Guarujá desde o início da Operação Escudo. Moradores dessas regiões relatam apreensão, medo e tensão com a ação

No Sítio Conceiçãozinha, onde já ocorreram duas mortes, os moradores afirmaram ao Terra que evitam sair de dentro casa e que está ocorrendo violência policial dentro da comunidade. Entre os bairros Vila Zilda e Vila Edna, onde o soldado da Rota foi morto, o movimento é intenso nas ruas comerciais e menor nas proximidades dos morros. 

A esposa de Cleiton Barbosa Moura, uma das vítimas da operação policial em Guarujá, alegou que o marido foi executado pela polícia. Ela contou que Cleiton foi arrastado de sua residência até um mangue, onde foi "fuzilado" na presença do filho de apenas 10 meses. 

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Onde denunciar

A Defensoria Pública de São Paulo (DPE-SP) informou que prestará atendimento e colherá relatos de vítimas e testemunhas de violência policial decorrente da operação na cidade de Guarujá. O atendimento será prestado pela Unidade Guarujá, localizada na Avenida Adhemar de Barros, 1327, e pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH), localizado na capital paulista.

Fonte: Redação Terra
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