O vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, foi morto com 9 tiros na noite de sexta-feira, 28, nas proximidades de sua residência na Vila Baiana, comunidade do Guarujá, na Baixada Santista, em São Paulo. De acordo com informações de vizinhos relatadas ao Estadão, ele não ofereceu resistência à abordagem e estava desarmado. No entanto, no boletim de ocorrência, a Polícia Militar afirmou que ele atirou primeiro contra os policiais.
Os vizinhos relatam que ouviram pedidos de ajuda de Felipe em uma rua. Já os familiares afirmaram à Ouvidoria das Polícias que não receberam autorização para ver o corpo no Instituto Médico-Legal (IML). Durante o velório, no entanto, eles identificaram indícios de tortura, como queimaduras de cigarro e um corte no braço do rapaz.
"Meu primo foi executado com 9 tiros na esquina da casa dele", disse um familiar de Felipe, que não quis se identificar.
Questionada pelo Estadão sobre os relatos dos parentes em relação às marcas no corpo, a Secretaria da Segurança Pública ainda não se pronunciou. Em coletiva realizada na manhã desta segunda-feira, 31, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) negou qualquer "excesso" na operação.
Já o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, disse não ter chegado oficialmente "nenhuma informação ou indício sobre caso de tortura". A Ouvidoria das Polícias do Estado investiga a ação policial.
O governo informou que 8 pessoas foram mortas pela polícia durante uma operação em Guarujá, iniciada na sexta-feira, 28, e que se estendeu ao longo do fim de semana. A força-tarefa foi montada após dois agentes da Rota terem sido baleados na quinta-feira, 27. Um deles, Patrick Bastos Reis, de 30 anos, não resistiu aos ferimentos e morreu.
No domingo, o suspeito de ter matado o soldado Reis foi preso. A Ouvidoria informou que contabilizou dez mortes durante a ação da Polícia Militar e afirmou que irá investigar possíveis irregularidades.
Detalhes sobre o caso
Por volta das 21h de sexta-feira, o vendedor avisou ao irmão, pelo celular, que ia sair de casa para comprar cigarro. No entanto, foi alertado pelo familiar sobre a presença da Rota, e foi aconselhado a não sair.
"Depois do óbito do militar da Rota (quinta-feira), a polícia enviou um comunicado, ou 'salve', como eles falam: quem tivesse passagem pela polícia e tatuagem seria morto", disse o familiar.
Outros dois moradores também relataram o aviso mencionado pelo Estadão. Felipe Vieira Nunes possuía antecedentes criminais, com uma passagem por roubo, e morava sozinho.
Ele havia se mudado para o local havia quatro meses, após a morte de um parente, e trabalhava vendendo açaí na praia da Enseada, em Guarujá, conforme informou sua família. Um vizinho disse que ouviu a abordagem policial.
"Eu ouvi o policial dizendo: 'Solta a arma, vagabundo' e o Felipe respondeu: 'Não tenho arma, senhor. Não tenho nada. Vendo raspadinha na praia'", relatou.
Ainda de acordo com esse vizinho, na sequência, houve um disparo.
"Ele começou a pedir socorro e a pedir pelo amor de Deus para não matarem ele", acrescentou. Depois houve mais disparos, ainda de acordo com o vizinho da vítima.
Por volta das 23h, vizinhos entraram em contato com a família de Felipe para informar o ocorrido e suspeitaram que a vítima fosse o vendedor. Posteriormente, relataram à Ouvidoria que testemunharam o corpo sendo arrastado até a viatura. No sábado, a família encontrou no local chinelos pertencentes à vítima.
Nunes estava armado e atirou primeiro, diz a polícia
Os policiais apresentaram uma versão diferente. Segundo o boletim de ocorrência do caso, dois agentes da Rota estavam em uma operação quando avistaram um homem a pé, que mudou de direção ao percebê-los. Ele teria colocado a mão na cintura, dando a entender que poderia sacar uma arma, e, em seguida, entrou em um barraco na Rua José Fernandes Vilela, localizada na comunidade.
De acordo com a polícia, Felipe teria efetuado três disparos com uma arma calibre 38, e os policiais reagiram com 9 disparos. Além disso, os agentes afirmaram que foram encontradas 526 porções de maconha.
Posteriormente, Felipe foi socorrido por uma ambulância e encaminhado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Enseada, conforme consta no boletim de ocorrência.
Imagens das câmeras corporais dos policiais
A Ouvidoria da Polícia Militar informou que recebeu as informações e que pretende conduzir uma investigação a respeito dos acontecimentos.
"Instauramos procedimento para acompanhar as apurações e vamos pedir as imagens das câmeras corporais. Vamos pedir laudos necroscópico, balísticos, residuográfico e de local", afirmou o ouvidor Claudio Aparecido da Silva.