As rodas de samba surgiram no século XIX entre os negros escravizados que se reuniam em momentos vagos nos terreiros das senzalas. Eles batucavam, batiam nas palmas das mãos, cantavam e dançavam o samba, ritmo que também surgiu na mesma época. Era uma forma encontrada pelos negros de se alegrarem um pouco, quebrando um pouco da rotina hostil que levavam e de preservarem a cultura africana.
Até os dias de hoje, as rodas são uma forma de preservação da cultura negra e de levar alegria aos amantes do samba. Contudo, elas também promovem geração de renda para pessoas moradoras de favela, que complementam seus orçamentos ou tiram o sustento apenas dos eventos que são promovidos por sambistas e produtores culturais.
Há diversas rodas de samba formadas em vários lugares no Rio de Janeiro, atraindo um público grande e de variadas classes. Mas, em 2020, por conta da pandemia de coronavírus, para evitar aglomerações, elas também foram suspensas, assim como todos os eventos culturais. E a partir do segundo semestre do ano de 2021, começaram a retornar com algumas restrições e, no início de 2022, já estão mais liberadas, voltando a ocupar bares, casas de espetáculos, lonas culturais e espaços públicos por toda cidade.
A reportagem foi conversar com sambistas que promovem rodas de samba, para sabermos como foi o período de suspensão e como está sendo essa volta. Se muita coisa mudou nas produções e de que forma elas impactam nas vidas de muitos moradores de favelas.
Para Eduardo Familião, do grupo de samba Balaio Bom, a fase de suspensão das rodas de samba foi gerou muita dificuldade. Ele relata que teve que ajudar muitos companheiros que ficaram em total dificuldade financeira, sem condições de sustentar suas famílias e a si próprio.
"Bem complexa, difícil e confusa. Por vários fatores e razões. Uma delas era a imprevisibilidade que se tornava cada vez mais clara. Até porque a gente trabalha por nós e pra nós mesmo", diz Familião.
Já para o sambista Pipa Vieira, do grupo Time de Crioulo, as suspensões das rodas de samba, além de ter sido uma fase bastante complicada, foi de reinvenção. O sambista nos conta que, além de ficar desempregado, teve todos os seus projetos parados, ficando totalmente sem captação de renda.
"Foi uma fase super difícil. Fiquei sem emprego, as contas aumentaram ao ponto de me endividar. Tive mais de 14 endereços, entre morar de favor a dever aluguel. Fiquei sem ver meus filhos e sem perspectiva de vida", afirma Pipa.
Que as rodas de samba são uma das identidades carioca e marca registrada do Rio de Janeiro, nós sabemos. Mas como elas impactam nas vidas de moradores de favelas, gerando renda para eles? Para Eduardo Familião, por ser uma grande manifestação cultural dos últimos anos, ganhando cada vez mais corpo, ganhando o mercado e gerando muita renda.
Para Eduardo, hoje, nem todos que participam ativamente das rodas de samba são moradores de favela, e seus contratados recebem em média de R$ 120 a R$ 150 por dia trabalhado. Pipa Vieira acredita que por ser uma transformação social, cultural e econômica, não só os moradores de favelas, mas, todos aqueles que estejam a margem, como negros e indígenas, podem obter renda através do que aprenderam lá trás com seus ancestrais, tanto na culinária, como na vestimenta que os mesmos vendem nas feiras, onde também se formam as rodas.
Quando perguntado sobre a volta das rodas de samba, Eduardo Familião acha um pouco confusa, por ter tido muita falta de informação, deixando tudo muito obscuro. "Não teve muita coisa de volta. Uns estão voltando agora, outros já voltaram há muito tempo. É uma coisa que se discute, diante do cenário apresentado pelo Brasil em relação a covid-19", afirma.
A volta das rodas de samba para Pipa Vieira já se torna um pouco complicada por ter muitos sambista não cadastrados na prefeitura e aqueles que não sabiam que deveriam cadastrar suas rodas nas secretárias de cultura e turismo. "Esse momento de retomada, está sendo para as pessoas entenderem os processos de legalização das rodas de samba, que são a ocupação do espaço público", conta Pipa Vieira.
Os sambistas, além de falarem do retornos das rodas de samba, contaram um pouco de seus projetos, que ficaram parados e estão sendo retomados. Eduardo Familião continua com sua roda de samba Balaio Bom, na Praça Tiradentes. A mesma já está no local há 4 anos.
Pipa Vieira continua com seus projetos Pagode do Pipa, Festa da Raça, Pagode do Time de Crioulo, Aquele Rena e Samba do Mercado. Além desses projetos, Pipa fala sobre o projeto que tem com a ANF Produções, empresa mantenedora da Agência de Notícias das Favelas.
"Nesse momento eu me debrucei em parceria com a ANF, através de um projeto enquadrado no ISS, chamado Nossa escola, que irá ensinar percussão para adolescentes, jovens e adultos da favela. Nesse momento estamos em fase de captação, procurando empresas que queiram financiar", afirma Pipa.
O sambista que sofreu fortes impactos com a pandemia, como relatou lá no início, está animado com o retorno das rodas de samba, de seus projetos anteriores e de poder lançar os novos, que são Pipa Vieira Convida, que é uma roda de samba no bairro de Irajá, a preços acessíveis, o lançamento de seu livro infantil, falando de samba e percussão, da cultura negra em geral, e do filme Mussum Forevis, com tudo que a cidade do Rio de Janeiro será contemplada com boas rodas de samba, reavivando a cultura popular.