Com o slogan “vigílias para pessoas machucadas”, o pastor Rafah Moreira, 41, criou um espaço para atender fiéis com diversas dores. No entanto, as eleições de 2022 fizeram do espaço um local diferente. Ele se surpreendeu com os múltiplos depoimentos negativos que recebeu de participantes, que foram perseguidos e questionados sobre a própria fé durante o período eleitoral.
Líder do Movimento Negro Evangélico, à frente da Igreja Head80, na Vila Ema, zona leste de São Paulo, ele conta que recebeu comentários negativos nas redes sociais e rompimentos com outros cristãos por assumir voto na esquerda, uma reclamação de outros seguidores da igreja.
“Junto a outros pastores, promovo vigílias para acolher cristãos que estão fragilizados emocionalmente por se posicionarem diferente da onda evangélica contra Lula [candidato PT à presidência]”, diz Moreira.
Para contrapor com a narrativa da extrema direita, ele participa de um projeto chamado Novas Narrativas Evangélicas, que objetiva dialogar com outros cristãos sobre temas como fé, racismo, fome, meio ambiente e feminismo.
Um dos movimentos protagonizados pelo grupo é a hashtag #LivrePraVotar, que traz uma mensagem dizendo que “Deus não tem candidato”. Nos comentários das postagens nas redes sociais, é possível ver ataques de opositores. “Fui chamado de endemoniado. Falaram que preciso me converter”, diz o pastor.
Ele também conta que ocorreram rompimentos com alguns fiéis após fazer pregações mais progressistas que traziam acolhimento a pessoas em vulnerabilidade social, sem acesso à saneamento básico, à saúde, ou rejeitadas por serem LGBT+ (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e mais).
“Sou cristão e, a partir disso, me tornei progressista. Algumas pessoas vieram me questionar sobre o meu voto na esquerda. Dialoguei, expus com base bíblica, mas elas não aceitaram e me viram como louco”, relata Moreira.
O psicanalista Gabriel Lima, 23, teve que se afastar de alguns familiares e amigos por conta da mesma situação. “Tentaram cercear a minha fé. Participar dos encontros é fundamental para me fortalecer. Lá [no projeto], ajudamos uns aos outros”, conta.
“Isso vai acabar. Bolsonaro vai ganhar. Vocês vão perecer”. Essa foi a mensagem que o pastor Marcos Gladstone, 46, dirigente da Igreja Cristã Contemporânea, no Tatuapé, também zona leste de São Paulo, ouviu na porta do templo por uma pessoa que passava no local.
Fundada em 2013, a igreja reúne entre 250 e 300 membros, com unidades no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, e é conhecida por ter pessoas LGBTs nos cultos. “Nossa igreja é inclusiva. Seria incongruente apoiar um governo que é homofóbico, misógino, machista, racista e que não vê as minorias que estão dentro da igreja”, diz o pastor.
Por ser um lugar que se posiciona em prol da construção de um espaço que aceita a pluralidade de orientação sexual ou identidade de gênero dos fiéis, a igreja sempre enfrentou diversos ataques. “Já picharam o muro do templo com versículos bíblicos, já mandaram nos convertemos”, conta Gladstone.
“Muitos irmãos estão emocionalmente abalados com toda a polarização política. Alguns romperam novamente com os familiares que chegaram a questionar a fé deles”, complementa.
O pastor Eduardo Soares, 49, também dirige a Igreja Contemporânea e conta que já passou por constrangimentos pelo voto na esquerda. “Tenho uma amiga, que agora é ex-amiga, que vivia me mandando mensagens com insultos camuflados, questionando a minha posição evangélica e como eu poderia votar no Lula”, conclui Soares.