Proposta da campanha Desinveste Já, lançada no Rio de Janeiro, é pressionar os poderes Legislativo e Executivo a diminuírem e remanejarem o orçamento de segurança pública para áreas sociais, ao invés de um “guerra armada” contra as populações periféricas.
Nascido e criado no morro do Borel, no Rio de Janeiro, a primeira experiência de ativismo de Patrick Melo foi aos dez anos. Ele segurou a faixa de protesto pela morte do amigo da mesma idade, atingido na cabeça por um tiro de fuzil, disparado por um policial.
Patrick Melo, 29 anos, é gerente de projetos da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJRacial), que atua na Baixada Fluminense e propõe a campanha Desinveste Já. Ela reivindica a diminuição e o remanejamento do orçamento da segurança pública, em prol do investimento em áreas sociais.
“Não estamos falando de retirar salário dos policiais, mas em desinvestir em ações ostensivas e letais”, explica Patrick. A campanha usa duas comparações nos materiais de divulgação. Uma é o preço do caveirão, veículo blindado de R$ 652 mil, o valor de duas ambulâncias.
A outra comparação é entre o preço de um fuzil e o da merenda servida na rede estadual de ensino. “Merenda escolar é algo sério, a gente está falando de populações pobres, cujas crianças têm a principal refeição do dia dentro das escolas públicas”, diz Patrick.
1 fuzil para cada 36 mil merendas
O valor da merenda escolar utilizado para a comparação da campanha Desinveste Já é de R$ 0,76 por dia, para quem estuda meio período em escola estadual (a Defensoria Pública do Rio de Janeiro cobra o aumento do valor, que estaria defasado).
O preço do fuzil é uma média do valor no mercado legal. O modelo da empresa brasileira BRV Defense, lançado neste ano, custa R$ 38 mil. A campanha calculou com base em R$ 28 mil.
Dividido o valor do fuzil pelo da merenda, o resultado é que o investimento na arma pagaria exatamente 36.842 refeições.
“Quando a gente fala em desinvestimento, além de destinar recursos para áreas sociais, falamos também em remanejar o próprio orçamento da segurança pública”, diz Patrick.
Ele explicou a campanha ao Visão do Corre. A mobilização vai até 5 de dezembro.
Por que deixar de investir nas polícias?
Assistimos ao investimento nas polícias, passamos pelo debate de polícia comunitária, tem processos de formação em direitos humanos para policiais, uso de câmaras corporais, e nada disso reduziu a violência policial. Nossa ideia é tentar uma alternativa que tem sido construída no mundo para redução da letalidade, alcançando o controle das polícias.
Tem relação com a morte de George Floyd?
Sim, a gente é muito provocado a partir da morte dele e das várias experiências e discussões que surgiram. As comunidades criaram órgãos de justiça reparativa, de mediação comunitária, mostraram que não precisa de militarização, nem controle do Estado para organizar a comunidade.
Cite uma dificuldade ideológica da campanha.
São muitos processos, mas é difícil fazer as pessoas entenderem que o desinvestimento é um caminho para o controle das polícias.
O que vocês entendem por “orçamento da segurança pública”?
A gente inclui os orçamentos das secretarias de polícia civil e militar, de administração penitenciaria, bombeiros e Defesa Civil, além da secretaria de Segurança Pública, que voltou a existir no Rio de Janeiro em 2023.
Qual área policial recebe mais investimento?
Grande parte do orçamento é direcionada especificamente para operações policiais, aquisição de material bélico e circulação ostensiva das polícias.
Vocês conseguiram alguma mudança de investimento?
Em 2024, a gente conseguiu reduzir pela metade a quantidade de munição prevista para a Polícia Civil do Rio de Janeiro, era um milhão e meio de balas. Também conseguimos reduzir a compra de dez caveirões para cinco.
O que significaria, historicamente, o desinvestimento nas polícias?
A gente acredita que esse é um dos caminhos para a abolição. Pode desaguar na possibilidade de superação do genocídio das populações negras, no Brasil e no mundo.