Nos centros comerciais de São Paulo, vozes anunciam ofertas e promoções às pessoas que transitam pelas ruas. Esse é o trabalho dos locutores de lojas de varejo que diariamente usam o “gogó” e o bom humor para atrair a atenção de potenciais clientes para as compras.
Gabriel Sulivan Lima, 25, trabalha como locutor em comércios desde 2018, quando ainda morava no estado da Bahia. Ele começou na profissão após perder o emprego como corretor de imóveis e veio para São Paulo para ter um futuro mais promissor na área.
“O colega de um tio fazia locução em algumas perfumarias e depois em uma distribuidora de cosméticos. Ele me levava e eu fazia locução lá”, diz Lima, que atualmente mora em São Mateus, na periferia da zona leste de São Paulo.
Após ganhar experiência, ele passou a trabalhar por conta própria em algumas lojas de bairro. “Eu não tinha som, nem nada, então só fazia se a loja tivesse som próprio. Levava meu microfone, minha mesa de som, ligava na instalação interna e fazia a locução”, explica.
Já em 2020, quando a cidade de São Paulo entrou em quarentena devido à Covid-19, as oportunidades diminuíram. Foi aí que o rapaz decidiu investir em equipamentos para aprimorar o trabalho. “Se você não tiver um bom aparelho, pode danificar sua voz”, diz.
Com uma caixa de som e equipamentos próprios, Lima trabalha em diferentes estabelecimentos da capital. Para ele, o locutor de rua tem um papel muito importante nas vendas porque, às vezes, o vendedor tem diversos produtos a oferecer, mas quem passa em frente ao comércio não sabe disso.
“O mais gostoso do trabalho é conseguir fazer os clientes entrar na loja, fazer a loja faturar. Minha alegria é o gerente falar: ‘cara, você é muito bom’”, destaca.
Morador da Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, Gildasil Rodrigues de Oliveira, 53, trabalha no ramo há 21 anos. Desde 2012, ele é locutor em uma galeria de comércios em Santo Amaro, no distrito vizinho. “Levo playback, canto. O pessoal para, canta junto, bate palma. É muito gratificante”, conta.
Oliveira começou jovem como produtor de eventos, onde aprendeu a manipular mesas de som. Depois trabalhou como locutor freelancer em rádios, mas foi com a locução de rua que ele obteve um maior retorno profissional. Hoje ele mantém a empresa “DJ FM, o som de São Paulo” ao lado de mais sete pessoas.
“Trabalhamos com equipamento para DJ, que é uma coisa que nos diferencia dos locutores de rua. Você vai chamar a atenção de quem está passando pelo que você está fazendo no equipamento de som”, conta o profissional, que também é conhecido como DJ Gil.
“As pessoas formam uma roda para ver o que está acontecendo e, nesse intervalo, a gente fala: ‘e você que está vendo o trabalho, seja bem-vinda, nós temos uma ótima promoção para você dentro da loja’”, complementa.
Aumento da procura pela profissão
Gildasil Oliveira comenta que a profissão é popular, sobretudo, nos comércios das periferias – que crescem com a migração de lojas famosas para os bairros e geram demanda para os locutores. Além disso, o desemprego fez com que as pessoas buscassem o cargo pela facilidade de atuação.
Por outro lado, o trabalho ainda é muito desvalorizado. Em São Paulo não existem leis que regulamentem o ofício dos locutores de rua. “Quem trabalha na rua está totalmente desprotegido. Se a pessoa se acidentar, ela não tem para onde recorrer porque não tem vínculo [empregatício]”, diz.
“Às vezes a pessoa chega lá, liga o som e ninguém fala que a tomada é de 220 volts. Ela perde material e não tem como arrumar na hora.”
Para Carla Libralino da Silva, 34, moradora de Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, a pandemia foi a chance de voltar ao mercado de trabalho por meio da locução de varejo. Ela era dona de quatro comércios que não resistiram à quarentena e fecharam.
“Vi um anúncio de vaga de locutora. Como eu sempre fazia a divulgação nas minhas lojas de roupas e não tenho nem um pouquinho de timidez, acabei encarando”, conta.
Ela fez a primeira locução em uma ótica e, a partir daí, conseguiu indicações para outros trabalhos. “É um ramo muito bom, mas a concorrência é muito grande”, diz Carla, afirmando que nunca ficou um final de semana sem trabalhar.
Apesar dos desafios, como concorrência e a informalidade da profissão, a locutora afirma que gosta de fazer o próprio horário e salário, o que permite conciliar o trabalho com o cuidado dos três filhos.
Com essa rotina, ela também consegue administrar uma associação que fundou em Cidade Tiradentes e que presta auxílio para pessoas em situação de vulnerabilidade. “Faço trabalhos de locução em troca de apoio financeiro para a associação”, finaliza.