Nascido no Rio de Janeiro, o chapeiro Everton Ferreira, 32, mais conhecido como Carioca, se mudou para São Paulo há 12 anos, onde mora com a esposa em Perus, na zona noroeste da cidade. Desde 2012, ele se dedica a uma dupla jornada de trabalho em duas padarias – que, juntas, ocupam cerca de 17 horas do dia dele.
“Entro em uma padaria às 5h30 e saio às 13h. Depois entro na outra às 14h e vou até às 22h15 ou 22h30, dependendo do movimento”, diz Ferreira. Os dois estabelecimentos também ficam em Perus, numa distância de aproximadamente 1 km entre eles, o que facilita o deslocamento.
Desde 2020, os três filhos do chapeiro – Davi, 10, Raíssa, 8, e Raiane, 5 – foram morar com a avó materna na capital fluminense, já que a esposa dele, Érica da Silva, é enfermeira e trabalhava na linha de frente do combate à Covid-19 em dois hospitais.
“Também teve outro agravante. Minha sogra perdeu o emprego, ela é uma senhora de idade, tem 60 anos, então combinamos [de enviar] um valor mensal para ela cuidar das crianças e não ficar sem renda”, explica ele. “A gente paga a luz, o condomínio, a internet e as compras.”
Essa situação impactou diretamente na rotina de trabalho do casal, que passou a trabalhar sem folgas para tirá-las todas de uma só vez e, assim, poder visitar as crianças no Rio de Janeiro uma vez por mês. “O que me motiva a trabalhar tanto são meus filhos”, diz Ferreira.
Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apontam que, no fim de 2018, 3,41 milhões de brasileiros tinham duas ou mais ocupações – formais ou informais.
Na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), não há nenhuma lei que proíba o trabalhador de ter dois empregos com carteira assinada. O que pode impedir a conciliação dos dois ofícios são alguns pontos presentes no contrato de trabalho, que variam de empresa para empresa, como cláusula de exclusividade ou conflitos de horário.
Neste aspecto, Ferreira diz que os patrões não apenas sabem que ele tem dois empregos, como também negociam as folgas com ele. “Os patrões não ligam em dividir o meu serviço. A partir do momento que você não dá furo, que não se atrasa e cumpre as normas da empresa tudo certinho, aí não implica em nada”, conta.
Para ele, apesar da rotina corrida, é importante manter o bom humor no dia de trabalho – o que também contribui para manter uma boa relação com os clientes dos estabelecimentos. “Já até me perguntaram se eu tinha irmão gêmeo na outra padaria”, brinca.
“São muitos anos nas mesmas empresas, muitos anos atendendo eles. Atrás do balcão você é psicólogo, psiquiatra, mecânico, economista, político… você é tudo. Você fala de todos os assuntos com todo mundo ao mesmo tempo.”
Além disso, ficar longe dos filhos nos últimos meses tem feito com que Ferreira repense algumas coisas. Neste ano, ele quer tirar 30 dias de férias do trabalho para ficar mais tempo com a família. Algo inédito na vida dele, já que ele sempre vendeu o recesso.
“Vai ser a primeira vez que vou tirar férias, porque meus filhos estão longe. Não tem porque vender as férias para ganhar mais dinheiro, sendo que eles estão longe. Prefiro ficar com eles”, conclui.