A adolescência tem problemáticas que por si só já são complexas demais para enfrentar sem qualquer acréscimo, tudo é muito intenso, quem já passou entende, quem está passando, ou ainda vai passar, tem a sensação de vivenciar o fim do mundo. Lidar com o furacão instável de emoções, comuns para o período é, ainda mais difícil para quem vive nas favelas.
Um jovem periférico encontra dificuldades em equilibrar os próprios sentimentos e dilemas internos, com fatores como violência e desigualdade social, quase sempre presentes em seu cotidiano. Este é o caso de Cássia Pio, 17 anos, moradora da Favela do Carneiro em Mauá, cidade do ABC Paulista, “É complicado tentar resolver tudo sozinha, guardar tudo, tem a escola, tem a família, a gente vê os amigos passando por situações ruins e a gente não pode ajudar, dificuldade pra todos os lados, todo mundo precisando de ajuda”, desabafa a adolescente.
Ainda sobre os problemas externos ocasionados pela vivência nas comunidades, estes surgem de diversas formas e são os vilões quando se pensa na saúde mental dos jovens periféricos, Cássia relata que os irmãos, de 14 e 19 anos, passam e irão passar pelo mesmo ciclo que ela, “Tudo se repete, como um ciclo, os problemas vão ser os mesmos pra quem vive aqui. É violência, energia faltando todo dia, enchente sempre que chove e, por aí vai, a gente chora sozinha e tenta ficar bem. Falar de depressão aqui ainda é um tabu”, comenta.
Os jovens de periferia incorporam responsabilidades sociais aos próprios anseios pessoais e isso realmente os adoece mentalmente. De acordo com a Psicóloga Ana Maria Oliveira, idealizadora do projeto Humana.Mente Psi, que leva atendimento psicológico a moradores das periferias de Belo Horizonte, atualmente não existe saúde mental dentro das favelas, “O adoecimento psíquico é real, a juventude está perdida, isolada, sem perspectiva e com medo do futuro. O choro, a angústia e a solidão são relatos constantes”, relata.
Ana Maria declara que quando o jovem decide ir atrás de ajuda, o sistema muitas vezes é caótico e não facilita o auxílio adequado. “Quando alguém faz uma visita à Unidade Básica de Saúde - UBS local, levando uma queixa de algum sintoma, lhe é dada uma receita de ansiolítico ou antidepressivo. Nesse mesmo local a pessoa também é orientada a deixar a receita na recepção para que seja renovada ao final do uso do medicamento sem nenhum acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, comenta.
Quanto ao respaldo psicológico que o Estado poderia proporcionar a estes jovens, Ana é enfática, “Infelizmente o sistema não está preparado para suportar a demanda e também parece não estar interessado em agregar parceiros para suprir essa falta. Tudo que temos é lindo na teoria, mas, na prática, não se aplica”, pontua a psicóloga.
Enquanto isso, iniciativas sociais como o “Saúde Mental na Periferia, Como Vamos?”, da Agência de Notícias das Favelas (ANF), atuam diretamente no enfrentamento dessas questões. O projeto tem foco nas mulheres e para além de atender, mapeou o estado da saúde mental da população em situação de vulnerabilidade social e, contribúi para a conscientização da proteção à mulher.
Se depender do André Fernandes, fundador da Agência de Notícias das Favelas, projetos assim serão cada vez mais frequentes nas favelas, “No futuro a pesquisa pretende continuar falando e representando o que importa e as reais necessidades do povo periférico de todo o Brasil”, afirma André.