Em 2017, quatro crianças da periferia de Ribeirão Preto, interior paulista, fizeram vídeos denunciando a situação precária das ruas. Os irmãos simularam uma reportagem televisiva, o Jornal Mirim. Viralizou e, entre os veículos de imprensa que os procuraram, veio o Fantástico, com reportagem de Glória Maria, de quem Mirella Archangelo, a irmã mais velha, que fazia o papel de repórter, é fã.
Hoje de manhã, a aspirante a jornalista, agora com 16 anos, recebeu a notícia da morte. “Eu estava no colégio e, no intervalo, minha mãe mandou mensagem pelo celular. O impacto foi muito grande, fiquei muito emocionada e pedi para vir para casa”.
A adolescente estuda em escola particular de Ribeirão Preto, com bolsa integral conseguida pela mãe, concedida a ela e aos irmãos, pela repercussão dos vídeos. “Aumentou ainda mais minha vontade de ser jornalista, a Glória Maria é meu reflexo e sempre vai ser”.
Encontro com Glória Maria
Quando a jornalista e sua fã se encontraram, a repórter também foi entrevistada. A jovem perguntou se houve alguma reportagem que Glória Maria não gostou de fazer. “Eu adorei todas, mas eu acho que a reportagem que eu mais estou gostando de fazer é esta aqui com você”.
Glória Maria declarou ainda que “daqui a pouquinho, você vai estar pronta para pegar o meu lugar”. Pela vocação somada ao incentivo, Mirella Archangelo vai prestar vestibular na própria cidade. A família não tem condições de sustentá-la estudando fora de Ribeirão Preto.
Ela conta que chegou a pensar em cursar Letras, gosta de Humanas, “mas cada vez mais tenho evidências de que quero ser jornalista, mesmo. Eu tenho que fazer jornalismo e continuar o legado dela, é isso que eu quero para minha vida”, e completa: “Ela é meu espelho”.
Futura jornalista nas redes sociais
Apesar de ter diminuído a quantidade de postagens nas redes sociais durante a pandemia de covid-19, o perfil de Mirella Archangelo no Instagram evidencia o comprometimento com as causas da negritude.
No Jornal Miriam há dicas de livros, lamentos pela morte de Elza Soares, comentários sobre personalidades negras, crítica a expressões racistas. Há também reportagens de grande potencial.
Em uma delas, a jovem compra uma garrafa de água mineral e sai pelas ruas procurando lixeira para descartar a embalagem. Encontra só uma.
“Dei uma parada porque estava fazendo muito mal para minha cabeça. Eu fazia conteúdo relevante e cada vez menos gente via, enquanto garotas brancas faziam dancinhas no Tik Tok e bombavam”.
Se depender do número de seguidores, talvez ela volte a postar mais. Em poucas horas, após um vídeo agradecendo Glória Maria pela inspiração, o número de seguidores dobrou no Instagram.
Duas coincidências
Durante a entrevista com Mirella Archangelo, duas coincidências foram lembradas. Glória Maria morreu no dia de Iemanjá, a orixá das águas – o nome da divindade significa “mãe cujos filhos e filhas são como peixes”.
Para a aspirante a jornalista, sua referência hoje desencarnada “deve estar sendo levada pelas águas, bem feliz”.
Além da coincidência com o dia de Iemanjá, há outra: o primeiro nome da jornalista, Glória.