Na década de 90, o termo “patricinha” surgiu para designar meninas ricas, brancas, loiras, com olhos claros, que usavam roupas de marcas e frequentavam lugares chiques. Em contrapartida, surgiram as “afropatys” ou “pretas patrícias”, mas só agora o movimento se popularizou em Minas Gerais.
Naquela época, as mulheres negras e vaidosas eram chamadas de “as pretas escovadas”. Elas procuravam ter um perfil parecido com os das meninas brancas: cabelo muito bem alisado, lentes de contato e trajes que imitavam as patricinhas. Mas ser uma afropaty vai muito além da aparência e da futilidade, como descobriam agora.
Glauce Mara, 37, idealizadora do Box da Nêga em Itabira de Minas, interior do estado, conheceu o termo recentemente nas redes sociais, através das blogueiras que promovem empoderamento.
“Não remete a dinheiro, diferente das patys brancas, e, sim, a pequenas conquistas sociais, como, por exemplo, cursar faculdade”. O foco do movimento é reforçar as discussões sobre relações raciais, que trouxeram novas formas de enxergar a existência das negras e negros no Brasil, principalmente se o assunto é ascensão social, estética e identidade.
Afropaty vem de longe
Apesar da palavra ser recente nas pautas, nos debates e na mídia, as afropatys constroem o termo há muito tempo. Confrontar os preconceituosos faz parte dos desafios de ser uma preta patrícia. A massoterapeuta Mariana Paula, 34 anos, conta que sua primeira vivência com o termo foi no momento de uma entrevista de emprego, anos atrás, em Belo Horizonte.
Natural de Duque de Caxias (RJ), a luta pela sobrevivêncoa a levou a morar na periferia de BH e, recentemente, para Ermelino Matarazzo, zona Leste da capital paulista.
Segundo ela, "pessoas tentam nos ofender com palavras e atitudes para nos rebaixar e nos fazer acreditar que não temos lugar, que não somos valiosas”. Mas ela não deixa de acreditar que hoje — diferente do passado — há muito mais poder de influenciar, inspirar e fazer as mulheres se tornarem rainhas de si.
Afropaty é sobre empoderamento
A estudante de Pedagogia Elisângela de Oliveira, 45 anos, de Belo Horizonte, atualmente morando na periferia de São Paulo, na Vila Santa Catarina, diz que a expressão “afropaty” é sobre cores, exuberância e um toque de poder nos looks das mulheres pretas. E quando o assunto é poder, ela cita a repórter Glória Maria, que “nos deixou um exemplo de guerreira”.
As “madeixas crespas” despertam gatilhos emocionais quando são associadas à estética. A profissional da beleza Jacqueline Barbosa, 35 anos, de Itabira, hoje pode presenciar as negras usando produtos voltados para elas. “Sempre trabalhei com a autoestima, orientando minhas clientes a se cuidarem e usarem produtos que representam a imagem delas. Elas precisam confiar no próprio estilo”, diz.
É o que acredita Gleice Andrade, 42 anos, de Ipatinga, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, no bairro periférico de Esperança. Ela trabalha aplicando mega hair. Sua atuação profissional é pelo reconhecimento de valores da mulher preta. “Por muitos anos ficamos oprimidas e escondidas, não enxergando nosso próprio valor, aceitando as regras de belezas que eram impostas”, diz.
Contra os estigmas históricos
Ser afropaty ou preta patrícia é desafiar a sociedade racista. Desconstruir a ideia de que cabelo crespo é “ruim” é uma luta, diz a cabeleireira Tatiana Meireles, 40 anos, do bairro Jaquelino, periferia de Belo Horizonte.
Ela recorda que, no início da pandemia do coronavírus, muitas mulheres negras tiveram que se redescobrir e entrar num processo de aceitação da beleza natural. Elas estavam sem acesso a produtos de estética por causa do fechamento do comércio. “Amo empoderar as crespas a se sentirem divas, com seus cabelos black power e volumosos”, finaliza.