Conheça o artista periférico que só pinta Jesus preto

Hebert é de Senador Camará (RJ) e vem criando, nos finais de ano, versões pretas do protagonista do Natal

23 dez 2024 - 11h32
(atualizado às 14h59)
Resumo
Artista utiliza pintura e colagem digital, como na imagem inédita que cedeu para esta matéria, a criação de 2024 da série de Jesus preto. O trabalho do carioca vem ganhando relevância, mas ele não desenha só Jesus. Porém, quando o faz, é só preto, com forte inspiração funkeira.
Detalhe da obra A Ascenção Continua, de 2021. No ano anterior, Jesus preto viralizou, e o artista passou a produzir uma série.
Detalhe da obra A Ascenção Continua, de 2021. No ano anterior, Jesus preto viralizou, e o artista passou a produzir uma série.
Foto: Reprodução

“A mudança de tudo foi quando eu lancei aquela imagem de Jesus preto em 2020. Teve sete mil likes em um dia”, lembra Hebert Bichara Amorim, artista plástico. Fazia quatro anos que ele levava a arte a sério e desde que a imagem viralizou, não deixa passar um Natal sem a nova versão de Jesus “da cor das pessoas que eu vejo”.

Hebert – codinome artístico Artedeft – diz que a imagem que chamou atenção para seu trabalho “simbolizou tudo o que eu estava imaginando, não tinha computador direito, não tinha placa de vídeo. Chegou um momento que eu tive que deixar sair tudo pra fora”.

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E saiu. Além das imagens de Jesus preto, há outras de inspiração religiosa, como a capa de Povo de Fé, de Marcelo D2. E trabalhos relevantes, como a exposição sobre funk no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), além de cenários para Toni Garrido e para o prêmio da Música Brasileira.

Ascenção ao Céu, de 2020. Jesus preto de cabelo loiro subindo da favela aos céus, cercado de gente preta, viralizou.
Foto: Reprodução

O renomado jornal inglês The Guardian publicou reportagem de uma página sobre a exposição no MAR, destacando o trabalho de Hebert. O imagem gigantesca na entrada da exposição é dele. Suas fortes criações mostram o cotidiano da favela, com menores negros vestindo camiseta, boné e tênis das marcas preferidas.

“Ele é autodidata, mané”, como dizem os cariocas

A técnica de Hebert mistura pinturas e colagens digitais. “É o famoso faça você mesmo, sempre gostei muito de tecnologia, mesmo não tendo acesso, era muito caro. Mas eu vivia na lanhouse perto de casa, comecei a aprender meio que por osmose.”

Com 31 anos, autodidata, no processo criativo Hebert “gosta” de pesquisar imagens antigas e “recriar com nova roupagem, recortar, pintar o rosto digitalmente, ou pegar uma foto aleatória”. O conteúdo inserido, das cores aos personagens, vem das vivências.

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Hebert Amorim em Senador Camará, zona oeste do Rio de Janeiro, onde nasceu e se criou. “Sou Flamengo, pô”.
Foto: Arquivo pessoal

Uma das experiências mais fortes e contraditórias foram as idas à missa com a avó. Surgiram conflitos, questionamentos sobre as cores das pessoas, a fé, a realidade ao redor. “Por muito tempo pensei que era coisa da minha cabeça, nem eu entendia muito bem o que eu estava fazendo”.

Na casa da avó, que cuidava dele enquanto os pais trabalhavam, “tem muito símbolo, muita imagem, os dogmas da igreja. Eu acho que eu fui mais para igreja do que para a escola”. Os pais de Hebert, no entanto, são umbandistas.

A Lapa é bem melhor do que a escola

“Na escola eu era aquele cara que as pessoas chamam de turista”. Acontecia com Hebert o que rola com muitos jovens periférico para quem a escola não interessou. “Tirei zero em Arte na sexta série, a professora falou que era muito ruim.”

Redenção, de 2023. Se Jesus nascesse no Brasil, seria numa favela e, ao ser morto, teria gente preta lamentando sua partida.
Foto: Reprodução

Hebert quis ser jogador de futebol, trabalhou em lanhouse, panfletou, foi controlador de acesso. Com vinte e poucos anos, tentou ser DJ. “Tava meio sem saber o que fazer, mas gostava muito desse lado da arte”.

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Foi por aí que a coisa andou. Não tinha como ser diferente para o jovem que preferia ir para a Lapa do que para a escola – dessas tentações da vida, uma linha de ônibus ligava diretamente sua casa ao bairro boêmio-artístico.

A imagem viralizada de Jesus preto, de 2020, foi a virada artística. “Aí começa a história louca da minha vida”. Ganhou bolsa de residência na Casa da Escada Colorida, na famosa escadaria de Selarón. E deslanchou.

A Última Ceia, de 2020. Jesus preto tem cabelo loiro. “São as pessoas que eu vejo”, diz o artista Hebert.
Foto: Reprodução

Visão do Corre publica Jesus preto de 2024

A obra de Hebert passou a ser conhecida, mas talvez poucos saibam que o amor o trouxe à outra quebrada. Há quase três anos, ele mudou para São Paulo. Mora com a namorada na Vila Califórnia, zona leste.

Está feliz e, inevitavelmente, compara as periferias das duas capitais. “No Rio, tudo é muito na cara, aqui é discreto. No Rio, os caras querem mostrar que têm força, arma, aqui é muito mais tranquilo. Tem favela que não vou no Rio, porque moro no bairro rival”.

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Jesus preto de 2024, de Hebert, que o Visão do Corre publica em primeira mão. Série é funkeira, política, sociológica e religiosa.
Foto: Reprodução

Hebert vive da arte, mas está ganhando dinheiro? “Tem horas que ganho, outras não ganho nada. Estou aprendendo a administrar essa montanha russa. Mas é bom não ter que acordar quatro e meia da manhã para ir trabalhar”.

Independente do horário, ele é sério com compromissos profissionais. Prometeu e enviou o Jesus preto de 2024 na data marcada, e liberou para publicação em primeira mão pelo Visão do Corre, como havia prometido. Só então foi para o Rio de Janeiro passar o Natal com a família.

Fonte: Visão do Corre
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