Para a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, as mortes de Emilly e Rebecca continuam sem uma resolução satisfatória. O órgão pede a reabertura do inquérito ou denúncia contra os policiais envolvidos. Para o Ministério Público, “incriminar policiais é reflexo de uma visão ideológica incompatível com a grandeza e relevância da Defensoria Pública”.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) pediu a reabertura do inquérito policial sobre as mortes de Emilly Vitória da Silva Moreira dos Santos, de 4 anos, e Rebecca Beatriz Rodrigues dos Santos, de 7 anos, atingidas por um único tiro em 2020, enquanto brincavam na favela do Sapinho, em Duque de Caxias (RJ).
O pedido se baseia sobretudo em uma reconstituição em 3D, que reforça a hipótese de que o disparo fatal tenha partido de dentro de uma viatura policial. São feitos vários questionamentos, como a trajetória do disparo, o posicionamentos das vítimas e da viatura.
Segundo a Defensoria, o projétil que atingiu as crianças é compatível com os fuzis utilizados pelos policiais presentes na viatura do 15º Batalhão da PM, mas o confronto balístico foi inconclusivo.
A revisão das provas foi feita pelo Projeto Mirante, iniciativa subsidiada pela Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SAJU-MJSP), voltada para a análise técnica e a reconstrução de casos envolvendo violações de direitos humanos.
Defensoria levanta várias dúvidas
Registros do equipamento da viatura revelam que o veículo trafegava em baixa velocidade na área no momento do incidente, retornando ao local horas depois, sem justificativa plausível.
O relatório tridimensional inclui ainda análises detalhadas da trajetória potencial do disparo e posicionamento das vítimas, usando modelagem 3D baseada em imagens de satélite, fotografias e dados periciais.
O documento conclui que o disparo poderia ter sido efetuado por policiais posicionados no lado direito do veículo, contestando os resultados do laudo oficial.
Como foram as investigações iniciais?
O inquérito policial, arquivado em 2022, concluiu que os disparos foram efetuados por traficantes que queriam atingir a viatura, mas erraram e acertaram as crianças. Essa tese foi contestada por familiares e testemunhas, que alegaram que o disparo partiu da viatura policial.
Segundo a Defensoria, documentos e depoimentos apontam “falhas graves” no controle de armamentos dos policiais, com erros nos livros de registro e ausência de dados sobre consumo de munição.
“Este pedido é mais do que uma tentativa de corrigir erros processuais; trata-se de garantir justiça para essas crianças e suas famílias. É crucial que a verdade seja efetivamente apurada”, afirma André Luís Machado de Castro, defensor público responsável pelo caso.
Articulações pelos quatro anos do assassinato
A deputada estadual Renata Souza (PSOL) apresentou projeto de lei para incluir o Dia de Luta Contra o Assassinato de Crianças no calendário oficial do Rio de Janeiro. A data seria lembrada em 4 de dezembro, dia do assassinato de Emilly e Rebecca.
“O caso emblemático ocorrido em Duque de Caxias simboliza a gravidade da violência armada que afeta nossas crianças nas favelas e periferias”, afirma a deputada. “A violência armada contra crianças e adolescentes é uma tragédia que afeta desproporcionalmente os territórios periféricos”.
A avó das primas esteve presente ao protocolo do projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Lídia da Silva Santos, 55 anos, diz que “a verdade tem que aparecer, só falaram um monte de mentiras. A gente está lutando para que seja reaberto. Se não for reaberto, a gente tenta de novo”.
Daniela Lopes, assistente social, acompanhava a família desde antes da pandemia, no suporte alimentar. É ela quem narra o vídeo da reconstituição em 3D e conta que a mãe de Emilly teve um AVC, perdeu parte da visão e está com os movimentos comprometidos. “Isso tudo vem do processo de depressão severo que ela está enfrentando”, relata a assistente social.
O que diz o Ministério Público?
Segundo a 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada dos Núcleos Duque de Caxias e Nova Iguaçu, a Defensoria Pública não tem atribuição legal para realizar diligências investigatórias em inquérito policial que foi arquivado por decisão judicial.
“Logo, essa conduta é ilegal, desrespeita a decisão judicial de arquivamento, e compromete a atuação dos profissionais que estão trabalhando no processo deflagrado contra os autores do duplo homicídio”, diz a nota oficial.
A Promotoria ainda afirma que “a recusa em aceitar que os disparos que mataram duas crianças foram efetuados por traficantes, e não por policiais, parte da premissa de que a Polícia Civil, os peritos, o Ministério Público e o Judiciário propositalmente estão direcionando as investigações em procedimento que trata de um duplo homicídio”.
A nota oficial ainda pontua que a Defensoria Pública participou das investigações e da reconstituição do crime, “de forma que, além de ilegal, essa postura é contraditória e incoerente com tudo o que foi apurado nas investigações”.