Encontros entre réus e vítimas geram constrangimentos e intimidações em fórum de SP

Fórum Criminal da Barra Funda, o maior da América Latina, não tem espaço para separar pessoas envolvidas em processos

24 mar 2025 - 06h52
Resumo
Inaugurado em 1999, resolveu a falta de espaço do antigo prédio, mas não evita o encontro entre testemunhas, réus, vítimas e advogados. Um dos locais onde se encontram é no único restaurante, nos intervalos das audiências. Para Tribunal de Justiça de São Paulo, situação é “normal”.
Maria Cristina Quirino, que perdeu filho no Massacre de Paraisópolis, protesta diante do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.
Maria Cristina Quirino, que perdeu filho no Massacre de Paraisópolis, protesta diante do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo.
Foto: Raphael Sanz

Pessoas envolvidas em audiências no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, relatam constrangimentos e intimidações nos encontros que acontecem na entrada, catracas de acesso, corredores e no único restaurante daquele que é considerado o maior fórum da criminal da América Latina.

“No dia do meu depoimento pedi para os policiais não estarem na sala, mas do que adianta? A gente se encontra no café. Procuro nem olhar”, diz Alvina Fagundes da Silva, 73 anos. Ela se refere ao depoimento sobre a morte do neto, uma das nove vítimas do chamado Massacre de Paraisópolis, ocorrido após ação da Polícia Militar em um baile funk, em 2019.

Publicidade

“Os espaços de convivência, como a cafeteria, são um grande exemplo de como a justiça não se preocupa, para além da punição, com os sentimentos mais amplos da reparação e da vivência do luto dessas famílias”, diz Desirré Azevedo, do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp.

Alvina Fagundes da Silva (à direita) criou o neto Marcos Paulo Oliveira dos Santos, morto no Massacre de Paraisópolis.
Foto: O 9 que Perdemos

Policiais militares denunciados pelo Massacre de Paraisópolis também reclamam dos encontros no Fórum Criminal da Barra Funda. Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, chegou uma reclamação “relatando que parentes das vítimas estavam intimidando os acusados com olhares ostensivos e gravações de celulares”.

“É intimidatório e perigoso”, diz ex-juiz

O único lugar do Fórum Criminal da Barra Funda em que vítimas e réus devem ficar em lugares separados é na sala de audiência. Imprensa, familiares, amigos e indiciados ficam em espaços determinados durante as sessões. Fora delas, se encontram até nos banheiros.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem duas resoluções sobre a dignidade de pessoas envolvidas em processos judiciais. A resolução 253, de 2018, “define a política institucional do Poder Judiciário de atenção e apoio às vítimas de crimes e atos infracionais”. A resolução 386, de 2021, cria Centros Especializados de Atenção às Vítimas.

Publicidade
Advogado e ex-juiz Marlon Reis diz que os fóruns do Brasil não estão preocupados com encontros entre réus e vítimas.
Foto: Arquivo pessoal

Marlon Reis, advogado e ex-juiz, relator da Lei da Ficha Limpa, presidiu e participou de “incontáveis audiências criminais”. Segundo ele, “os fóruns no Brasil não têm essa preocupação, muitas vezes a vítima tem pânico do réu e é obrigada a se defrontar com ele do lado de fora”.

Para Reis, os encontros representam um risco para advogados e vítimas, “é intimidatório e perigoso”. Ele lembra de julgamentos de tentativa de homicídio, nas quais “a vítima tem que ficar esperando, ocupando o mesmo espaço do acusado”.

Para Tribunal de Justiça, encontros são normais

O Tribunal de Justiça de São Paulo considera “normal esse encontro a partir do momento em que o julgamento é público”. O posicionamento oficial é de que “os réus estão soltos e, portanto, têm a sua liberdade preservada”.

O Tribunal não considera contraditório o fato de acontecerem encontros do lado de fora das audiências, enquanto, do lado de dentro, as pessoas são separadas. “Não há nada de contraditório. A divisão feita para as audiências é tão somente para que uma testemunha, vítima ou réu não ouça ou influencie no depoimento de outra”.

Publicidade
Fórum Criminal da Barra Funda, o maior da América Latina, não tem espaço reservado para réus e vítimas, exceto nas audiências.
Foto: Planova

Popularmente conhecido como Fórum Criminal da Barra Funda, o Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães é o maior fórum criminal da América Latina pela dimensão física, 115 mil metros quadrados de área construída, e pelo público circulante, cerca de duas mil pessoas por dia.

O volume de processos em andamento gera grande quantidade de audiências e atendimentos. Em média, 2.500 funcionários trabalham no fórum, entre servidores do Tribunal de Justiça de São Paulo, além de pessoas ligadas a órgãos, entidades e terceirizados. O Fórum Criminal da Barra Funda foi inaugurado em 1999.

Fonte: Visão do Corre
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações