Reportagem mostra que Maria tem seu filho entre o povo pobre de Nazaré, em uma inequívoca demonstração do lado de quem Jesus estaria. Hoje, no Brasil, ele poderia ser encontrado em alguma favela, ou entre pessoas em situação de rua. Série do Visão do Corre narrou vida e morte de um Jesus periférico.
“Jesus nasceu na Cisjordânia, no mundo palestino, que era o mundo rejeitado da época. Então, se a gente for usar o paralelismo concreto, material, geográfico, ele nasceria na periferia das grandes cidades. Acho que Jesus nasceria lá na Cracolândia”, diz o padre Júlio Lancellotti.
Os primeiros a saberem do filho de Maria são os pobres de Nazaré. Até os reis magos, que visitam Jesus com presentes raros, “são considerados uma maldição, são pessoas de magia, heréticos, pessoas de quem ninguém poderia se aproximar. E são eles que vem”, lembra o padre.
"O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas-novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos" - Lucas, 4:18
O pastor Leandro Rodrigues cita o evangelho de João, quando o apóstolo Filipe fala de Jesus a Natanael, que pergunta: “pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”. O filho de Maria “era desacreditado da mesma maneira que a sociedade não acredita nos talentos e nos potenciais de muitos que vivem nas periferias, nos morros, nas favelas”.
Para o líder da Igreja Inclusiva Habitar, Jesus “certamente” nasceria em um hospital público, em condições precárias, “para depois ser criado de forma igualmente precária na periferia, onde seus milagres se manifestariam de maneira surpreendente”
Jesus, uma ameaça ao poder romano
Para André Chevitarese, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jesus seria “como muitos camponeses simples, paupérrimos, anônimos”. Do ponto de vista histórico, estaria querendo transformar a realidade.
“Por trás da narrativa mítica do nascimento de Jesus se esconde um vocabulário político de violenta resistência aos impérios, principalmente o romano, lá atrás, ou o americano, hoje em dia”, compara Chevitarese.
“A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” – Tiago, 1:27
Frei David Santos, franciscano, fundador do pré-vestibular Educafro, diz que “havia muitas cobranças de impostos, e uma população vilipendiada, muito pobre. Os sacerdotes, que deveriam proteger e trazer dignidade ao povo, estavam colaborando com os donos do poder”.
O frei cita três favelas onde Jesus nasceria no Brasil: Ceilândia, no Distrito Federal; Rocinha, no Rio de Janeiro; e Paraisópolis, em São Paulo. “Se ele nascesse em uma delas, com certeza teria sido espancado, torturado e, talvez, assassinado pela polícia. Jesus nasceu pobre como uma forma de denunciar a pobreza”, diz Frei David.
Jesus seria favelado no Brasil
Os entrevistados são unânimes em apontar as favelas como o local onde Jesus nasceria no Brasil. Pai Denisson D´Angiles, sacerdote de umbanda, diz que o nascimento do filho de Maria “seria em uma comunidade periférica, favela ou ocupação, junto às pessoas marginalizadas, excluídas e invisíveis pela sociedade, cercado por simplicidade e desafios”.
Por causa da opressão do necessitado e do gemido do pobre, agora me levantarei, diz o Senhor. Eu lhes darei a segurança que tanto anseiam – Salmos 12:5
O umbandista atua entre moradores de rua em São Paulo, distribuindo alimentos e, principalmente, amor ao próximo. A opinião do umbandista é compartilhada pela ialorixá Roberta de Yemonjá, da Casa das Águas de Yemonjá, em Sepetiba, extremo oeste do Rio de Janeiro.
“Para mim, Jesus, hoje, com tudo o que a gente vive, nasceria em uma favela, numa periferia. Podemos mencionar que, às vésperas do Natal, numa festa que se fala tanto de amor e mesa farta, muitos não sabem se vão ter nem o jantar para os seus filhos”, lembra Roberta.
Importante é saber onde estaria, não onde nasceu
Para dois entrevistados, a pergunta mais importante não é onde Jesus teria nascido, mas onde estaria pregando. O rabino Alexandre Leone acredita que o fundamental “é a trajetória da pessoa para desenvolver uma sensibilidade humanista, que vê no outro uma pessoa humana, tendo sensibilidade social”.
O rabino lembra que nascer ou viver excluído não garante empatia em relação aos pobres, pois “a pessoa pode nascer na periferia e votar na extrema direita”. O sheik Rodrigo Jalloul, muçulmano, não comemora o Natal, mas respeita e pratica a mensagem de Jesus entre pessoas em situação de rua.
Na mesquita da Penha, ele costuma perguntar: onde o profeta estaria hoje? “Eu acredito muito que estaria no centro de São Paulo, na Cracolândia, na Luz, exatamente onde verdadeiros religiosos, que sempre lutaram por direitos humanos, estiveram: sempre do lado dos rejeitados e dos excluídos”.