Jovem que vendia doces no semáforo sonha competir em Dubai

Por meio do esporte, Ruan dos Santos pretende seguir uma carreira de sucesso e ajudar outras crianças de favelas

13 jan 2022 - 08h00
(atualizado em 17/1/2022 às 16h27)
Ruan dos Santos Orgulhoso com seu primeiro cinturão
Ruan dos Santos Orgulhoso com seu primeiro cinturão
Foto: Divulgação ONG Nóiz / ANF

Originado na Grécia antiga, o boxe é uma modalidade olímpica praticada em diversos países e também está presente nas favelas, mudando a vida de crianças e adolescentes. É o caso de Ruan dos Santos, 15 anos, morador da Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio de Janeiro, mais precisamente da favela do Karatê. O jovem sonha em ser boxeador desde criança - embora não soubesse exatamente o que fazia um profissional das artes marciais. Foi em 2021, após sua entrada na ong Nóiz, que o seu sonho começou a ser realizado.

O projeto, inspirado em uma música de Emicida: “é ‘nóiz’ que corre o caminho do bem, ‘nóiz’ não virava um ‘vintém’...”, nasceu na parte mais pobre da Cidade de Deus, o Brejo, e busca formas criativas de esporte, ensino e cultura para apoiar moradores da comunidade. Em 2018, o projeto contava com a ajuda de médicos dermatologistas, para consultas em crianças que sofriam problemas de pele, provocados, muitas vezes, pelo esgoto a céu aberto, na área, com barracos sem acesso à água e à luz. Atualmente, com a chegada da pandemia, a iniciativa precisou distribuir máscaras, álcool em gel e cestas básicas. Já foram distribuídas cerca de 20 toneladas de alimento.

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Ruan dos Santos: "só quero que, geral nas favelas, seja feliz e espero que um dia ninguém duvide que o favelado pode chegar onde quiser”
Foto: Divulgação Nóiz / ANF

Como na maioria das situações cotidianas, meninas e meninos oriundos de favelas têm a necessidade de trabalhar e levar um sustento financeiro para a família. Ruan viveu realidade parecida, ele precisou parar de praticar boxe para vender doces nos semáforos da zona oeste do Rio de Janeiro. Essa atitude ocorreu depois que sua avó Andreia Pereira, 51 anos, diarista, perdeu dois empregos por causa da pandemia.

Cientes dos problemas que o jovem e sua família estavam passando, os coordenadores do Nóiz se mobilizaram e conseguiram o apoio de Leo Cubica, parceiro da iniciativa, que se sensibilizou com a história e, juntos, criaram o bolsa atleta, no valor de R$ 600, que é entregue mensalmente para dona Andreia, avó de Ruan, com o objetivo de manter no rapaz a chama de ser um boxeador profissional. Com o bolsa atleta, a vida do aspirante a boxeador começou a mudar e ele passou a treinar de forma profissional, semanalmente. Além disso, sua vida melhorou muito, pois, segundo sua avó, com o dinheiro da faxina, não seria possível comprar roupa nova de fim de ano, nem outras coisinhas que ela compra com o “dinheirinho”.   

Ruan ao lado da avó, Andreia
Foto: Andreia Pereira / ANF

Por ser um esporte de grande rendimento, o boxe provoca um grande impacto, físico e emocional nos adeptos. Nesse sentido, o pugilista tem o desejo de passar todos os ensinamentos para que as crianças de favelas cresçam mais fortes e seguras das suas tomadas de decisões. “Quando eu entrei na nova turma da Nóiz, eu era o aluno que tinha mais tempo e experiência. Tudo que eu aprendi, passo para os alunos. No início dos treinos tinha um menino que sentia medo de mim, mas, com o tempo, fui ganhando a confiança dele. Hoje eu passo tudo que sei: golpe, contra-ataque, defesas, trabalho de pernas, etc. Só quero que, geral nas favelas, seja feliz e espero que um dia ninguém duvide que o favelado poderá chegar onde quiser” afirma Ruan.

A Nóiz tem patrocínio da escola particular de ensino infantil e fundamental, Vira-Virou, localizada no Bairro do Recreio dos Bandeirantes. As inscrições para as aulas de boxe estão abertas para 2022, são gratuitas para alunos da Cidade de Deus, e podem ser feitas diariamente, de segunda à sexta-feira, das 10h às 17h, na sede da ONG.

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Inscrições GRATUITAS abertas para 2022: segunda à sexta, das 10h às 17h, na sede da ONG
Foto: Divulgação Nóiz / ANF

Competir em Dubai, Emirados Árabes, é a pretensão do lutador. Enquanto se prepara, o jovem vai ganhando experiência em campeonatos locais. Isso aconteceu em novembro de 2021, através de treinos na academia Vitória, localizada no bairro Freguesia, Rio de Janeiro, Dos Santos foi convidado a participar de um evento esportivo promovido pela organização sem fins lucrativos Abraço Campeão, onde conquistou o seu primeiro cinturão. Ele relata sobre a experiência, "antes de começar a luta, tinha outros lutadores na minha frente, eu estava muito nervoso. Minha pressão estava alta e a enfermeira pediu para eu beber água, mas o garoto que lutou comigo também estava nervoso e a luta demorou a acontecer. No final, eu subi no ringue e o juiz decidiu que eu era o campeão. Esse dia foi o mais feliz da minha vida e vai ficar na minha memória."

Durante as férias escolares, o treino regrado tem sido feito na laje de casa com saco de pancada, pesos, protetores bucais e outros materiais doados por apoiadores do projeto Nóiz. Dos Santos, acredita que nas favelas existem muitas crianças talentosas, mas a falta de investimento atrapalha um crescimento em potencial. "As pessoas com dinheiro não estão nem aí para quem realmente precisa. Na maioria das vezes, as mães e os pais das crianças faveladas não têm dinheiro para custear o sonho dos filhos. Por isso, na minha opinião, o governo tem que bancar as oficinas de esporte, os projetos sociais, porque ajudaria muitas famílias dentro das comunidades. Tem muitas crianças que precisam ser descobertas e lutar para conseguir um futuro melhor, isso é obrigação de quem tem o poder no Brasil”, opina. 

Para finalizar, o estudante da Escola Municipal Dorcelina Gomes da Costa, situada em Jacarepaguá, atualmente cursando o nono ano do ensino fundamental, deixa uma mensagem de esperança para os pequenos das comunidades de todo o país, “quero deixar um recado para todas as crianças das favelas: “nunca percam a esperança e mantenham o foco no boxe ou em qualquer outro esporte. Sigam em frente, molecada, tenham a luta que tiverem na vida, vocês vão conseguir tudo. Nunca desistam de sonhar” diz esperançoso.

Ruan sonha em competir em Dubai, Emirados Árabes
Foto: Divulgação Nóiz / ANF

Exemplos positivos

Os jogos olímpicos em 2016, tiveram a cidade do Rio de Janeiro como sede e, entre as sete medalhas de ouro conquistadas, uma veio através de Robson Caetano, sendo ele o primeiro medalhista de ouro no boxe nacional. Para Pedro Andrade, instrutor esportivo que há dois anos integra a equipe de voluntários da Nóiz, exemplos como de Robson Caetano precisam ser divulgados para que, consequentemente, chegue mais apoio para os atletas periféricos. "É muito complicado para os atletas jovens seguirem na carreira, porque o nível de competição é muito alto. Na Nóiz tentamos dar um suporte ao máximo que podemos, mas infelizmente não temos como atender tanta demanda. Infelizmente não temos recursos como a maioria das grandes academias de boxe tem fora das comunidades. Tudo dentro da favela é mais difícil e a realidade dos atletas periféricos é completamente diferente”, explica.

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O boxe é conhecido como uma luta de combate, em que os adversários se enfrentam usando punhos para o ataque e para a defesa. Nesses tempos endurecidos que vivemos, seguir os direcionamentos do boxe erguendo nossos punhos e vozes se faz necessário para conseguirmos mais inclusão de atletas negros, jovens e periféricos em vários campeonatos mundiais.

Ruan dos Santos de vermelho: nunca desistam de sonhar
Foto: Nóiz divulgação / ANF
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