Em ascensão no mundo dos desfiles e da moda, Alice Tatiana, Miss Recife 2023, tem uma trajetória de vida parecida com a de toda garota da quebrada. Criada no Morro da Conceição, periferia da zona norte da capital pernambucana, estudou em escola pública, teve oportunidades em projetos sociais, sua mãe trabalhava em serviços gerais, e ela batalhou para construir a carreira, que está começando e crescendo.
“Desde criança, sempre fui muito vaidosa e comunicativa, sempre me cativou todas as coisas que envolviam moda, fotografia e concursos, em especial o concurso de miss, que sempre assisti pela televisão.” Seus sonho foram se tornando realidade.
Com 26 anos, sempre estudou em escola pública. Para quem associa o universo das misses à futilidade, a aluna dedicada conseguiu ser aprovada em quatro vestibulares: licenciatura em educação, pela Universidade de Pernambuco (UPE), instituição pública estadual; educação física, em universidade particular, obtendo bolsa integral; além de duas aprovações na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), teatro e dança, curso no qual se graduou.
Cursou ainda especializações em arte e educação, além de um MBA em ballet, pelo Centro de Ensino Superior e Formação Integrada.
Sonho da mãe realizado pela filha
A trajetória no mundo das artes vem de muito antes do ingresso no ensino superior. Foi iniciada como um sonho da mãe, que não pôde realizá-lo devido à falta de condições financeiras. Foi através de projetos sociais que Alice Tatiana conseguiu dar, literalmente, os primeiros passos artísticos, em aulas gratuitas de ballet clássico.
Elas eram oferecidas por programa governamental, aos finais de semana, na escola pública onde estudava. Ela agarrou a chance, assim como se envolveu em outro projeto importante, o Crescendo no Morro, através do qual participou de aulas de teatro realizadas no espaço do conselho dos moradores da comunidade.
“Nesta época minha mãe trabalhava com serviços gerais em uma outra escola pública perto de onde eu estudava. Muitas vezes, quando eu terminava as aulas, ia esperar por ela. Foi então que conheci a banda marcial da escola, me interessei e acabei me tornando baliza”, conta.
Baliza é a pessoa que vai à frente da banda, faz gestos e acrobacias, interpretando a música tocada. Precisa ter dom artístico para realizar a função, capacidades que Alice Tatiana vinha desenvolvendo nos projetos dos quais participava.
Com a banda marcial da escola Sizenando Silveira, foi hexacampeã pernambucana, campeã Norte e Nordeste, e brasileira. Atualmente, é jurada da Copa Pernambucana e Copa do Recife de Bandas e Fanfarras, além de bailarina e arte-educadora.
Incentivada até chegar aos concursos e prêmios
Alice costumava ser notada pela beleza, altura, biotipo e oratória, sempre articulada e comunicativa. As pessoas apontavam seu futuro no mundo da moda.
“Sempre me falaram que eu deveria investir na carreira de modelo, mas esse era um sonho muito distante da minha realidade. Infelizmente, para as meninas que moram na periferia, não existem oportunidades de formação. Mesmo assim, sempre acompanhei esse universo como telespectadora”, conta.
Foi só em 2020, a partir do incentivo de um amigo, que sempre acreditou em seu potencial, que Alice se inscreveu para o concurso Miss Jaboatão. Alcançou o 4º lugar. Desde então, conseguiu destaque no mundo da moda e dos concursos, sendo coroada, em 2023, Miss Universo Recife.
“Tenho muito orgulho de representar minha cidade, a capital do estado e poder ter esse espaço para falar das causas que defendo, pois sinto falta de um olhar mais atento para as meninas das periferias, para que elas possam ter acesso às políticas públicas de educação e capacitação e, com isso, chegarem preparadas para concorrer no mercado de trabalho”, frisa.
Inspirando garotas periféricas
Acompanhando os avanços sociais, os concursos de beleza passam por reformulações. Não são mais avaliados somente os aspectos estéticos, mas valores sociais, empoderamento feminino e responsabilidade social.
“É uma felicidade muito grande ter a Alice como nossa miss. Ela, sem dúvida, carrega os requisitos necessários para nos representar”, afirma Wanessa Lima, coordenadora do Miss Recife.
“No meu reinado como representante da cidade, irei levar, por onde passar, a mensagem de que, mesmo com as barreiras sociais e econômicas, culturais e familiares, as meninas e mulheres moradoras de periferias podem alcançar lugares de liderança. Não quero ser uma exceção, quero mostrar que sou uma possibilidade para outras meninas”, finaliza.