'Não existe adoção tardia, mas na hora certa', diz pai da zona leste de SP

Adoções são prejudicas por desinformação, preferência por parentes e preconceitos com idade, irmãos e cor da pele

22 set 2023 - 05h00
Quanto mais velhos, meninos, irmãos e negros vão ficando para trás na lista de adoção. Preferência é por meninas brancas recém-nascidas
Quanto mais velhos, meninos, irmãos e negros vão ficando para trás na lista de adoção. Preferência é por meninas brancas recém-nascidas
Foto: Antonio Cruz/AB

Há menos de um mês, duas irmãs, de sete e de nove anos, da zona leste da capital paulista, foram adotadas. Moravam no terceiro abrigo desde que a avó não conseguiu mais criá-las. Tiveram sorte: saíram da fila de 1.145 crianças esperando adoção no estado.

A história destoa da trajetória comum das adoções pela cor das irmãs, negras; por terem conseguido, juntas, um lar; pela idade; pelo pai adotivo ser solteiro e gay; além da relativa rapidez do processo – o jornalista Danilo Costa estava há três anos e meio na fila da adoção.

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As irmãs tiveram ainda outras sortes, como matrícula em escola privada em período integral, empregada doméstica e a realização de um sonho que só era menor do que ter um lar: possuir um cachorro, desejo realizado pela cachorrinha Shakira. E a família deve aumentar, pois o pai e o namorado podem casar-se em breve.

“Desejava ser pai desde menino, mas na década 1980 o gay não era bem-visto, né? Por isso, a adoção era algo distante. Sempre achei que ser pai teria a hora certa. Fui trabalhar, estudar, conseguir maturidade financeira e psicológica, me preparar para ser um bom pai”, resume Danilo Costa, 44 anos.

Processo de adoção

Quando decidiu ser pai, o jornalista não quis bebês, pois sua vida profissional é atribulada. “As crianças mais velhas têm um pouco mais de independência.” O processo de adoção é sério e inclui um curso de oito semanas com psicológicos, familiares, entre outros trâmites.

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O jornalista Danilo Costa, 44 anos, está vivendo os dias mais felizes e importantes de sua vida após adotar duas irmãs negras em São Paulo
Foto: Arquivo pessoal

“Conheci as meninas no dia 2 de junho. Foi extremamente emocionante. No primeiro contato, o abrigo não te apresenta como possível pai. Fui visitando, até que informaram que eu poderia adotá-las. Houve, então, finais de semana nos quais elas dormiram no meu apartamento, até concluir o processo.”

Com as filhas em casa, o pai estreante diz estar vivendo os dias mais importantes e felizes de sua vida. “Estou tentando trazer um lado cultural, levar a cinema, a gente vai ver um musical do Rei Leão. Vou muito em banca comprar revistas e livros. Fora todo carinho, educação e amor, todo amor, toda troca, tudo que elas precisam, ter alguém ali, cem por cento com elas. Isso é o essencial.”

 Idealizações, preconceitos e preferência por parentes

Essa é uma história rara, com final feliz. No Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, existem mais de 32 mil crianças em abrigos, enquanto aquelas em processo de adoção é seis vezes menor, 5.515.

O pai das irmãs adotadas em São Paulo tem perfil diferenciado. Ele indicou a possibilidade de adotar irmãos desde que iniciou os trâmites jurídicos. E, apesar de destoar da maioria dos adotantes, comemora a abertura legal, ainda tímida, de permitir que mulheres e homens solteiros, independente da orientação sexual, possam adotar.

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“Acho sensacional essa visão mais sensível, estamos caminhando muito bem. Importante olhar para as diferentes formações de família, hoje em dia”, diz o pai estreante.

Família unida: mãos do jornalista Danilo Costa, do namorado, e das duas irmãs que ele adotou há menos de um mês
Foto: Arquivo pessoal

Outros preconceitos, como a preferência por meninas brancas recém-nascidas, é um grande entrave. Existem outros, segundo Jussara Marra, presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad).

“Além da idealização do perfil, persiste ainda, muitas vezes, uma busca excessiva do Judiciário pela família biológica, ainda que não haja afinidade prévia com essas crianças ou adolescentes. É o que chamamos de biologismo. Existem também as restrições referentes à cor de pele e à idade, havendo uma crença de que quanto maior a idade, mais difícil seria educar.”

Entendimentos equivocados e palavras erradas

Segundo a presidente da Angaad, é um erro culpabilizar somente os pretendentes à adoção pelas crianças que não são adotadas, como a imprensa costuma fazer, simplificando uma questão multifatorial. “Existe sim a falta match entre o perfil pretendido e as crianças, mas nem tudo se resume a isso. Perduram também as buscas excessivas pela família biológica”, explica Jussara Marra, mãe de um filho adotado.

Outra barreira está no uso de expressões preconceituosas. A principal é “adoção tardia”. Grupos de apoio e pesquisadores entendem que não existe adoção em hora errada, nem cedo, nem tarde. Elas são fundamentais, independente do momento da vida.

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Jussara Marra, presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), é mãe adotiva do Dudu
Foto: Renata Pinheiro

As chamadas “adoções tardias”, incluídas na definição de “adoções necessárias”, juntamente com aquelas de grupos de irmãos, crianças e adolescentes com questões graves de saúde, e negros, tem cada vez mais sido identificadas como “adoções de crianças mais velhas”. As “adoções necessárias” englobam cerca de 70% da fila de adoção. Porém, considerando que toda adoção é necessária, ainda não há uma expressão ideal.

Não existem crianças sem passado

O perfil mais desejado para adoção, de meninas brancas recém-nascidas e sem doenças, parte de um pressuposto equivocado, de que, quanto menor a idade, a criança carrega menos memórias, e seria mais fácil educar. É a ideia – equivocada – da “folha em branco”.

“Pretendentes acreditam muito que isso vai ser decisivo, podendo participar mais da formação do caráter. Talvez a falta de informação esteja aí: não em quem são as crianças e adolescentes de verdade, mas numa falta de aprofundamento em como são construídas as relações e como é o desenvolvimento psíquico e pessoal das crianças e adolescentes”, diz Jussara Marra.

Ela lembra que a história da pessoa começa na vida intrauterina, ou antes, no caso de crianças que são geradas em contexto de violência ou em gestações indesejadas. “Sempre vai ter história e ela precisa sempre ser acolhida, preservada e respeitada pelos adotantes”.

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