Paraisópolis vive tensão parecida com massacre de 2019

Estão ocorrendo episódios similares aos que antecederam a morte de 9 jovens em baile funk, inclusive nos mesmos locais

10 jun 2024 - 07h52
Resumo
A apreensão crescente dos moradores da Favela de Paraisópolis esvazia final de campeonato de futebol e suspende baile funk, entre alterações na rotina. Em 6 de junho, dois policiais militares lutaram contra homem, que morreu baleado; semanas antes, garoto de sete anos levou tiro no olho e ficou cego. Em 2019, episódios semelhantes criaram onda de tensão após morte de dois policiais, que terminou com nove jovens esmagados em baile funk.
Familiares das vítimas do massacre de Paraisópolis fazem ato na primeira audiência do caso no Fórum Criminal da Barra Funda, em 2023.
Familiares das vítimas do massacre de Paraisópolis fazem ato na primeira audiência do caso no Fórum Criminal da Barra Funda, em 2023.
Foto: Paulo Pinto/AB

A esquina da rua Ernest Renan com a “viela da DZ7” é o ponto de encontro de duas histórias que explicam boa parte do sentimento de apreensão crescente na favela de Paraisópolis, zona sul da capital paulista.

No local, por volta de 11 horas da manhã de 6 de junho de 2024, dois policiais militares entraram em luta corporal com um homem, dispararam tiros, o homem morreu e os policiais saíram feridos.

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Exatamente no mesmo ponto, quase cinco anos antes, em dezembro de 2019, nove jovens morreram no baile funk da DZ7, espremidos em uma viela.

Moradores com quem o Visão do Corre conversou temem que as coincidências não parem por aí. Em 2019, as nove mortes foram o ponto culminante de um clima de tensão que vinha de meses, parecido com o de agora.

Final de campeonato sem torcida

O campo de grama sintética do Palmeirinha Paraisópolis, fundado em 1973, é a principal área de lazer da comunidade. Porém, na ensolarada manhã de 9 de junho, domingo, a torcida é pequena para acompanhar a final da Copa da Paz.

Neste mesmo local, em 2023, a final da Copa da Paz reuniu 60 mil pessoas no campo do Palmeirinha Paraisópolis
Foto: Janilton Oliveira

Estão em campo S. C. Compacto e Portuguesa Paraisópolis, time da comunidade. No ano passado, 60 mil pessoas assistiram a final. Neste ano, o time da casa perde por 3 x 1 com poucas testemunhas.

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Não há presença significativa da torcida organizada, nem de bateria, fogos e a barulheira de sempre. “Jamais uma final estaria assim”, diz Janilton Oliveira, líder comunitário. “Aí está o termômetro, ninguém quer correr o risco”, completa.

Mais de 130 mil pessoas moram em Paraisópolis. Para se ter ideia do fluxo no campo do Palmeirinha em dias normais, o telão publicitário recentemente instalado acima do alambrado recebeu 1,6 milhão de visualizações no mês passado.

Passando por cima do sangue na rua

Viela da DZ7, onde 9 jovens morreram em 2019 após corre-corre no baile funk. Frases no muro que pedem justiça estão se apagando
Foto: Marcos Zibordi

Um dia antes do jogo, no sábado, 8 de junho de 2024, os sinais de anormalidade evidentes e sutis de Paraisópolis podem ser observados caminhando pela comunidade.

Durante a tarde, é possível observar o sangue do PM ferido e do homem morto dois dias antes. As manchas estão nítidas no asfalto, em dois pontos, no encontro da rua Ernest Renan com a “Viela da DZ7”, onde morreram nove jovens no baile funk, em 2019.

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O local está no epicentro de Paraisópolis e, na correria do diária, as pessoas passam por cima das manchas de sangue. Tem feira na rua, o dia todo. “É louco, mas a vida continua”, diz moradora, apontando para o portão ao lado, com marca de tiro do último confronto.

Portão ao lado da Viela da DZ7, com marca de bala dos tiros disparados em 6 de junho de 2014 no confronto no meio da rua
Foto: Marcos Zibordi

Na noite do mesmo sábado, 8 de junho de 2014, uma umbandista da comunidade vai para o terreiro preocupada. Tem medo de deixar a filha sozinha em Paraisópolis. Começaram as festas juninas, a jovem quer ir.

Mas a mãe prefere que ela fique na casa do pai e mande mensagens de texto em horários determinados. Quer acompanhar a situação de Cotia, na Região Metropolitana, onde está o terreiro que frequenta.

“A gente fica preocupada, mas também não posso impedir ela de viver”, diz a mãe. Enquanto vai para o terreiro, o parque Labamba, em um dos extremos de Paraisópolis, inaugurado no dia anterior, está praticamente vazio.

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No único brinquedo que o Visão do Corre viu funcionando com clientes, um barco que balança, havia duas jovens.

Parque Labamba deserto no início da noite de 8 de junho de 2024, sábado. Nos finais de semana, em dias normais, Paraisópolis bomba.
Foto: Marcos Zibordi

Final de semana sem baile funk

O baile da DZ7, uma das principais festas de rua de São Paulo, onde os nove jovens morreram em 2019, está suspenso há um mês.

Por isso, a noite de sexta-feira, 7 de junho, não teve muvuca de milhares ocupando a rua Ernest Renan e arreadores. Além da silenciosa tensão crescente, havia outro motivo para ficar em casa.

Um sujeito em fuga da favela Porto Seguro, ao lado, foi perseguido dentro de Paraisópolis. Imediatamente, circularam vídeos do fugitivo baleado, saindo sentado na maca, aparentemente lúcido.

A favela se recolheu cedo e comboios de viaturas, com até uma dúzia, transitaram em ruas praticamente desertas.

Avenida Hebe Camargo em 8 de junho de 2024. Paraisópolis pouco movimentada para o início de uma noite de sábado
Foto: Marcos Zibordi

Crianças vítimas de tiroteios

A briga da manhã de quinta-feira, 6 de junho, entre policiais militares e o homem baleado, foi filmada por diversos moradores.

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Em um dos vídeos, durante os disparos, uma mãe, a poucos metros do confronto, pega criança no colo e sai correndo, em sentido contrário.

Coincidentemente, foi um tiro recebido por uma criança há quase dois meses, na mesma rua Ernest Renan, que agravou a tensão em Paraisópolis.

O estudante de sete anos de idade ia para a escola durante operação da Polícia Militar. O tiro cegou um olho do garoto. A comunidade foi para a rua, em protesto.

Duas semanas antes, tiroteio em perseguição de policiais militares a suspeitos de roubo resultou em cinco feridos em Paraisópolis.

Situação lembra episódios de 2019

“A gente está prevendo um novo 2019”, diz jovem universitário em frente a salão de beleza da comunidade. Ele repete a interpretação de vários moradores: uma sequência de episódios similares aos dos últimos dias em Paraisópolis antecedeu a morte dos nove jovens no baile funk.

Cartazes foram espalhados por diversos locais de São Paulo para lembrar o massacre de Paraisópolis em 2019
Foto: Instagram

Segundo relatos ouvidos na favela, em 2019 o agravamento da tensão teria começado com a morte da policial militar Juliane dos Santos Duarte em Paraisópolis.

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Quando ela foi sequestrada e morta, em agosto de 2018, começou uma “operação saturação”, com policiamento ostensivo dia e noite, sem prazo para acabar. A tensão teve outro pico com a morte do sargento Ronaldo Ruas Silva, dois meses depois.

O policial militar morreu baleado em troca de tiros no dia 1º de novembro de 2019. Houve nova “operação saturação” e, transcorrido exatamente um mês, no baile funk da DZ7, o corre-corre deixou nove jovens mortos em uma viela.

Secretaria da Segurança Pública

Em nota ao Visão do Corre, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que “a atuação das polícias paulistas é fundamentada na legalidade, preservação da ordem pública e proteção da população”, seguindo “protocolos operacionais rigorosos”.

Sobre o caso do último dia 6 de junho, que envolveu dois policiais militares e resultou em um homem morto, a Polícia Militar “apura todas as circunstâncias” e “analisa as imagens da ação”.

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A ocorrência foi registrada no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que prossegue com as investigações no âmbito da Polícia Civil.

Fonte: Visão do Corre
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