Rádio no Glicério, em SP, transmite 24h em várias línguas

Emissora focada em migração está localizada na região central da capital, com características periféricas históricas

25 jun 2024 - 10h11
Resumo
A Agência da ONU para Refugiados define imigrantes como pessoas que se deslocam em busca de trabalho ou educação. Segundo o Museu da Imigração de São Paulo, a migração envolve diversos atores e processos transnacionais. Em 2024, entraram 20.117 estrangeiros no Brasil. Na capital paulista, estão concentrados no Glicério, onde uma rádio fala suas línguas.
Miguel Ahumada, o radialista que fundou e toca a Migrantes Rádio Web há dez anos. “Não temos, nem queremos apoio governamental”.
Miguel Ahumada, o radialista que fundou e toca a Migrantes Rádio Web há dez anos. “Não temos, nem queremos apoio governamental”.
Foto: Marcos Zibordi

Desde o século 19, a região do Glicério tem características periféricas, com degradação urbana e população marginalizada, mesmo encravada no centro de São Paulo. Sempre recebeu estrangeiros, mas há dez anos, quem quer falar e ouvir sua língua acessa a Migrantes Web Rádio, que tem programação em várias línguas, 24 horas por dia.

Ela foi fundada e é tocada pelo chileno Miguel Ahumada, que fugiu do regime do ditador Pinochet. O radialista cursava jornalismo na Universidade de Santiago e veio sozinho para o Brasil, com uma mala. “Olhava para este imenso mundo de São Paulo e não entendia nada. Na época, não chegava muito migrante”, lembra.

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Buscando estabelecer a vida, chegou ao Glicério, não muito diferente de hoje em dia: legiões de dependentes químicos pelas ruas sujas, construções degradadas, uma região que faz divisa com a Sé e o bairro da Liberdade, turístico, com lojas e restaurantes frequentados por brasileiros e gringos a passeio.

No século 19, estrangeiros desembarcados no Porto de Santos chegavam à São Paulo na região da Sé, Carmo e Glicério, onde predominava a população negra – essa população ainda mantém dois marcos históricos, a Capela dos Aflitos e o Cemitério dos Aflitos, que vai virar memorial. Atualmente, predominam as pretas e pretos angolanos e de outros países da África, como Congo e Marrocos.

Popular em São Paulo, jornal ilustrado Diabo Coxo, de 1864, mostrava a degradação urbana no Glicério há 160 anos.
Foto: Reprodução

Miguel Ahumada conhece profundamente as ondas migratórias no Glicério, está há trinta anos no Brasil. Sua base é a Igreja Nossa Senhora da Paz, um imenso complexo de 9 mil metros quadrados que, além de igreja, abriga imigrantes e refugiados. E mantém, em uma das salas, o estúdio da Migrantes Web Rádio.

“Esta é uma rádio educomunicativa”

Os equipamentos da rádio, incluindo câmeras, mesas de som e mesas comuns não ocupam mais do que 15 metros quadrados. As muitas outras salas da Igreja Nossa Senhora da Paz oferecem cursos para imigrantes, biblioteca, encaminhamentos burocráticos para obtenção de documentos no Brasil.

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Quando se aproximou dos padres, Miguel Ahumada obteve apoio para fundar a rádio. Imediatamente pensou na necessidade de “desenvolver um trabalho político”. Mas não era fácil produzir programação para manter 24 horas no ar.

“Sempre foi programação ininterrupta. Era complicado, mas fui gravando, editando, estabelecendo contatos, dentro e fora do Brasil”, conta o radialista. Começou a fazer programas sobre migração, cultura, culinária, política.

Tudo é feito na raça, segundo o mantra de Miguel Ahumada: “Não temos, nem queremos ajuda governamental”. Pessoas e pautas de mais de 30 países passaram pela rádio.

Operação de limpeza da prefeitura nos viadutos que acumulam sujeira, mas também pessoas; entre elas, migrantes
Foto: Prefeitura de SP

Programação variada, do mundo inteiro

A tabela de programação da rádio é variada e depende de quem quer contribuir. Chegam imigrantes de muitos países na Igreja Nossa Senhora da Paz. Quem se interessa por fazer programas na Migrantes Web Rádio “é só chegar”.

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O conteúdo também vem de parcerias tão variadas quanto a Rádio Vaticano e a Associação Latinoamericana de Educação e Comunicação Popular. Chega ainda informalmente, por áudios de WhatsApp.

É possível escutar programas em espanhol, inglês, francês e italiano, além de português. Há conteúdo do Equador, Colômbia, Inglaterra, México, Paraguai, Haiti. Empregadas domésticas do Glicério fazem um programa juntando trabalhadoras brasileiras, bolivianas, entre outras.

“Faço tudo, praticamente moro aqui. Estou tão acostumado, que não sinto cansaço”, diz o radialista, que tem uma cama no local, onde dorme quando não dá ou não quer ir para casa.

Aos domingos, as missas em três línguas, realizadas na Igreja Nossa Senhora da Paz, também são transmitidas pela Migrantes Web Rádio – em português, italiano e inglês filipino.

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Com nove mil metros quadrados, a Igreja Nossa Senhora da Paz é um ponto central de apoio a migrantes no Glicério
Foto: Marcos Zibordi

Perfil migratório do Glicério

Segundo dados do Observatório das Migrações em São Paulo, entraram e se registraram 2.866 estrangeiros na capital paulista em 2024, até março. A maioria, bolivianos (813), seguidos de angolanos (367) e chineses (227). Miguel Ahumada conhece profundamente essa realidade no Glicério, onde se concentram os estrangeiros em São Paulo.

Os angolanos têm chegada bastante, por conta da guerra civil. Na Igreja Nossa Senhora da Paz, a maioria dos abrigados, 78 pessoas, são do país africano. Pretos latino-americanos do Haiti costumam pedir visto humanitário, diferente dos afegãos.

Miguel Ahumada tem orgulho da programação multilíngue. Programas do mundo inteiro, sobre diversos temas
Foto: Marcos Zibordi

Fugidos do talibã, a maioria pretende ficar temporariamente na capital paulista: desejam ir para os Estados Unidos. Têm grande dificuldade para aprender português. Falam persa e hebreu, “as palavras são curtas, aqui encontram palavras longas”, explica o radialista.

“O Glicério é uma cidade dentro da cidade de São Paulo. Historicamente, é uma periferia”, define Miguel Ahumada sobre o lugar que escolheu para atuar viver a atuar humanitariamente. No final da reportagem, repete o convite de praxe: “Se quiser fazer algum programa aqui, é só chegar. As portas estão abertas”.

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Fonte: Visão do Corre
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