IBGE atualiza dados do Censo 2022 e a Rocinha, no Rio de Janeiro, volta a ser a maior favela do Brasil em número de residentes e domicílios. Pessoas que estão há muito tempo no corre pela favela falam sobre a volta da Rocinha ao topo da lista.
Há oito anos, Rosemary Pereira Cavalcante, 57 anos, é dona do Studio Tetemere, na favela da Rocinha. Além do trabalho no salão de beleza, que abriu na lavanderia de casa, ela cuida de José Severino, de 85 anos, que viveria nas ruas se Rosemary não o acolhesse.
Por isso, quando perguntada sobre a Rocinha, ela diz que a comunidade “precisa com urgência de instituição para os idosos. As pessoas vão trabalhar e deixam as crianças nas creches, mas os idosos ficam sozinhos em casa”.
O olhar de Rosemary enxerga uma necessidade, entre várias da Rocinha. E sua atividade profissional representa situação comum e crescente nas favelas, o empreendedorismo. Ela abriu o salão com a ajuda do Sebrae.
Bancos e agência dos Correios retirados
Entre as freguesas de Rosemary está Maria Consuelo Pereira dos Santos, escritora e “articuladora social comunitária”, como prefere ser identificada. Com 61 anos, ela chegou na Rocinha no dia em que a seleção brasileira de futebol ganhava a Copa do Mundo de 1994.
“A volta ao ranking vai ser boa, mas as questões estruturais continuam”, pondera. Ela relata “perdas muito grandes”, especialmente agências de bancos e dos Correios. “Fizemos campanha, abaixo-assinado, brigamos. Os bancos federais fazem muita diferença para a gente”.
Graças a Deus houve uma recontagem”, comemora ativista
Quando, em 2023, o IBGE classificou a Rocinha como a segunda maior favela brasileira, atrás da Sol Nascente, em Brasília, foi como se o time do coração de William de Oliveira caísse para a segunda divisão.
Com 54 anos, nascido e criado na Rocinha, ativista social conhecido, ele fez um texto indignado no Facebook. “É com muito pesar que recebemos essa informação que tenta nos retirar uma referência que alcançamos há décadas”, escreveu.
Desta vez, “a gente fica muito mais feliz com a volta ao primeiro lugar. Não dava para aceitar ficar em segundo”, diz Oliveira, que entre outras atividades, preside o Instituto Missão Rocinha.
“O que traz de benefícios?”, pergunta morador
Para Antonio Carlos Firmino, fundador e diretor do Museu Sankofa, que existe desde 2009 na Rocinha, “o retorno ao primeiro lugar, a princípio, não traz benefícios”.
O que traria? “Eles viriam se nós, moradores, formos mais organizados através das instituições locais e reivindicarmos nossos direitos básicos”.
Firmino pergunta “o que isso traz de benefícios? Um olhar maior dos governos? Se nem nas menores favelas conseguem fazer algo, imagina na maior. O que nós temos foram os moradores que fizeram”.
“Eu acho o máximo”, diz b. boy
O b. boy Luck manteve o Grupo de Break Consciente da Rocinha por mais de 25 anos. Criou seus três filhos na comunidade. “Devia ser mais valorizada pelo poder público”.
Ele lembra que a Rocinha está localizada entre os bairros da Gávea e São Conrado, e pergunta: “por que não tem o mesmo desenvolvimento?”.
Apesar das contradições, está orgulhoso com a volta ao posto de maior favela do Brasil. “O que é bom pra Rocinha é bom para mim, para nós”.
“Sentimento de muitas frustrações”, diz produtor cultural
Maurício Soca Fagundes, 63 anos, coordenador da Casa de Cultura da Rocinha, é cria da favela e suas declarações são tristes. Ele fala baixo, devagar, está cansado.
Claro que ama a comunidade onde aprendeu a se “livrar dos leões”, onde se sente gente, “mas a frustração é o sentimento”. Ele não vê nenhum “glamour” em ser a maior favela porque “temos maior número de crianças abandonadas, feminicídio, doenças”.
O que mais o incomoda? “Aceitarmos tudo de maneira tão passiva”. E lembra o que outros entrevistados lembraram: a Rocinha está entre bairros ricos como São Conrado, Gávea e Leblon. “E não reagimos”, lamenta.