‘Trazer a periferia como centro do debate’, destaca Ediane Maria

A empregada doméstica e coordenadora do MTST foi eleita deputada estadual por São Paulo com 175 mil votos

1 jan 2023 - 05h00
Ediane Maria concorreu a uma vaga na Alesp pelo PSOL nas eleições de 2022
Ediane Maria concorreu a uma vaga na Alesp pelo PSOL nas eleições de 2022
Foto: Divulgação

Diplomada no dia 19 de dezembro como deputada estadual em São Paulo pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), Ediane Maria do Nascimento, 39, quer que o “o trabalhador se perceba como ser político” e que as periferias estejam no centro das decisões. 

Eleita neste ano com 175 mil votos, a coordenadora do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e moradora de Santo André, no ABC Paulista, conversou com a Agência Mural sobre os desafios do primeiro mandato e como atuará a partir de março de 2023 quando tomará posse.  

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“Um dos objetivos é humanizar a política e trazer a periferia como centro do debate, até para desmistificar o que é o trabalho dos candidatos eleitos”, diz. “Não haverá política se a gente não reivindicar nossas prioridades”. 

Nascida em Floresta, no sertão de Pernambuco, Ediane é a sétima de oito irmãos. Mãe solo, negra, periférica e se identificando como parte da comunidade LGBT+, chegou em São Paulo com 18 anos, em 2002, para trabalhar como babá e empregada doméstica, seguindo o mesmo ciclo da mãe. 

Trabalhou no ramo por mais de 20 anos em casas de bairros centrais de Santo André e São Paulo. Em 2017, entrou no MTST, no qual fundou também o Movimento Negro Raiz da Liberdade. 

Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios e a necessidade de levar pautas periféricas e dos movimentos de moradia para dentro da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). 

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1) Como deputada estadual, quais são as principais propostas para as periferias de São Paulo e da região metropolitana? 

Ediane Maria: Minha luta será para além da moradia, com ações voltadas ao direito à cidade. O aparelhamento do Estado não chega na periferia. Estou falando, por exemplo, da falta de DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) em mais periferias. Na pandemia houve o aumento de mulheres que sofreram violência doméstica e novamente esse aparelhamento continua centralizado e atuando, na maioria das vezes, de segunda a sexta em horário comercial.  

Das 140 Delegacias de Defesa da Mulher no estado de São Paulo, nove unidades estão na capital e 19 na região metropolitana, em cidades como Mauá, Osasco, Suzano e Taboão da Serra. 

Por essas regiões, atualmente oito DDMs oferecem atendimento 24h: na capital paulista estão nas zonas sul, centro, norte e leste, como as de Itaquera e São Mateus, e na Grande São Paulo o serviço 24h é encontrado na unidade de Barueri. 

As vítimas também podem utilizar o app SOS Mulher, que funciona desde 2019 e colabora principalmente no atendimento às mulheres com medidas protetivas. 

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Outro ponto é que as pessoas que acessam o centro [da cidade] geralmente são as que trabalham nessa área. Uma das lutas é buscar a redução da tarifa de transportes públicos, até chegar a tarifa zero pelo menos nos feriados e fins de semana, para que as populações das periferias acessem o centro da cidade não só para trabalhar, mas para usar serviços culturais. 

Também sou uma das madrinhas e uma das fundadoras do projeto do MTST chamado Cozinhas Solidárias, que entrega comida fresquinha e gratuita todos os dias. Uma das propostas é que a iniciativa se torne um programa estadual de combate à fome para ajudar na redução de 33,1 milhões de brasileiros que vivem em insegurança alimentar.  

2) O que destaca na sua trajetória até chegar ao MTST? 

Imaginei que eu iria para Floresta (PE), como os filhos dos patrões da minha mãe, para as férias, com estudos concluídos e que eu estaria bem. Não foi o que aconteceu. Eu moro aqui – Sítio dos Vianas, em Santo André – e desde então trabalhei como doméstica. 

Meu primeiro registro em carteira foi a partir da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das domésticas, em 2015 (nº 150/2015, instaurada no governo Dilma Rousseff), depois de mais de 12 anos nesta função.  

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Descobri o MTST na fila do [programa] Leve Leite, no bairro onde vivo, por meio de uma conhecida que era do Movimento. Entrei em setembro de 2017,  durante a ocupação pelo direito à moradia Povo Sem Medo, feita em São Bernardo do Campo [também no ABC]. 

Quando entro no MTST, enxergo a solidariedade e viro alguém. São Paulo tira dos nordestinos o direito à identidade. Antes eu era a empregada que trabalhava na casa das pessoas. A primeira coisa que percebi foi o resgaste da minha identidade. Virei a Ediane Maria, virei a pompom, virei a leãozinho, virei alguém.  

3) Como nasceu o Movimento Negro Raiz da Liberdade? 

No MTST tem vários setores, como o movimento das mulheres, da juventude, setor da horta, setor jurídico e brigada de saúde. Em 2019, surge a ideia da gente construir um coletivo negro, já que muitos começam a entender que passaram por situações racistas. Em 2021, o coletivo vira o Movimento Raiz da Liberdade com pessoas focadas nas pautas antirracistas e organizadas para debater a violência do estado. 

4) Você encontrou dificuldades durante a sua campanha eleitoral? O que  colaborou nesta conquista? 

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No centro de São Paulo, por exemplo, um cara disse: “você deveria estudar primeiro”. De fato, terminei o ensino médio pelo EJA (Ensino de Jovens e Adultos), porque cheguei em São Paulo e fiquei mais de 16 anos sem conseguir estudar. Terminei de estudar à noite, já sendo mãe solo de quatro filhos. 

O ponto é que nós, mães solos e empregadas domésticas, fazemos política sem muitas vezes perceber. Sou quem criou quatro filhos e não conseguiu fazer uma faculdade, mas mesmo assim tem uma filha que faz faculdade federal de engenharia. Isso é resultado de investimento em políticas públicas. Não haverá política se a gente não reivindicar nossas prioridades. 

Minha candidatura só foi possível pela militância organizada e pessoas que me indicaram, me marcando nas redes sociais e divulgando minhas propostas em lugares onde nossas pernas não chegariam. Isso foi um processo lindo e de solidariedade para a renovação política, com pessoas que perceberam a possibilidade de colocar a primeira empregada doméstica na Alesp. 

O recurso Divulgação de candidaturas e contas eleitorais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aponta que a candidatura da Ediane Maria teve o total líquido de recursos recebidos em R$ 642.444,83 e R$ 625.381,44 em despesas totais. Do total líquido, R$ 100.284,77 veio do fundo partidário; R$ 502.213,81 do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; e R$ 36.289,90 de outros recursos. 

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Ver a periferia se manifestando e entendendo de política é lindo. Ver pais e mães levando seus filhos, crianças negras, para as agendas onde a gente ia, foi importante. Falavam: “Ediane, quero que eles te vejam, para mostrar que queremos ocupar outros lugares também”. Minha candidatura vem para abrir portas para que mais pessoas pretas consigam entrar em espaços como a Alesp. É só o início. É um espaço nosso por direito! 

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