"Como vou abandonar a pessoa que eu mais amo?". Foi pensando nisso que Fátima Pereira, 56, criou forças para sair de casa com os poucos itens que ela e o marido conseguiam levar nas mãos. Sem dinheiro para pagar o aluguel, o casal precisou deixar a casa em que vivia quando o desemprego bateu à porta.
Durante alguns dias, o novo endereço da família foi a sede do Poupatempo Taboão da Serra, na Grande São Paulo, onde dormiram sob uma marquise. Depois, o casal fez morada na Praça do Campo Limpo, zona sul da capital paulista, com a ajuda de Fábio Gouveia, 36.
Em situação de rua há três anos, Fábio percebeu que os dois não tinham abrigo e se ofereceu para ajudá-los a construir uma barraca ao lado da sua. Por ali, dezenas de barracas estão montadas como abrigo para pessoas que foram para a região. "A gente que está na rua não tem nada. A gente sabe o que o pessoal passa", conta o ambulante.
Entre 2019 e 2021 o número de pessoas em situação de rua em São Paulo teve um aumento de 31%, segundo o Censo da População em Situação de Rua. Nesse período, a concentração que ainda é grande na região central se ampliou em várias periferias da cidade, onde a alta chegou a seis vezes dependendo da subprefeitura. Nesses bairros, contudo, o número de serviços de acolhimento é menor do que no centro.
Durante dois meses, a Agência Mural entrevistou pessoas nas ruas das periferias paulistanas, e acompanhou o trabalho desenvolvido pela Prefeitura em centros de acolhida e nas tendas da Operação Baixas Temperaturas.
O objetivo: responder por que as periferias se tornaram locais de concentração para as pessoas em situação de rua e quais as principais diferenças no acolhimento a essa população em relação ao que é feito no centro da capital. Especialistas também mostram as possíveis soluções para essa crise.
Baixas temperaturas
Na Praça do Campo Limpo, as barracas de Fátima e Fábio ficam uma ao lado da outra. As paredes são feitas de madeiras e lonas, que foram retiradas das ruas ou recebidas por meio de doação.
O terreno abriga ainda uma terceira casa, com outro morador também acolhido por Fábio. Apesar de ser o mais novo do grupo, Fábio chama todos de filhos.
Sobrevivendo de doações e do pouco dinheiro que consegue vendendo balas no ponto de ônibus, o ambulante se emociona ao falar sobre a forma como vivem.
"Eu tenho vontade de ter uma casa, um banho quente…"
Fábio, morador do Campo Limpo
As famílias tomam banhos em um cômodo improvisado, fechado por um lençol e algumas madeiras. A água é doada por um comerciante vizinho. Nos dias mais frios, é preciso usar lenha para aquecer a água do banho.
Fábio diz que foi visitado por uma assistente social uma única vez. Ela prometeu voltar, para ajudá-lo a retirar alguns documentos, mas nunca mais apareceu na praça.
A 10 km dali, na Praça Floriano Peixoto, em Santo Amaro, equipes da Prefeitura de São Paulo distribuem cobertores, sopa e bebidas quentes para quem passa pelo local.
A ação faz parte da Operação Baixas Temperaturas, programa que intensifica as ações de acolhimento na cidade quando a temperatura ou a sensação térmica ficam iguais ou menores que 13ºC.
Ao todo, dez tendas oferecem atendimento em diferentes pontos da capital. A reportagem conversou com pessoas que foram em busca de ajuda nos pontos instalados em Santo Amaro, na zona sul, e em Santana, na zona norte.
No dia 18 de maio, quando a cidade registrou a madrugada mais fria para um mês de maio dos últimos 18 anos, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas), dezenas de pessoas fizeram fila para pegar os cobertores e a sopa oferecidos na Praça Floriano Peixoto.
A temperatura média mínima na cidade naquela madrugada foi de 7°C. O catador de materiais recicláveis Rodrigo Pereira, 39, foi até a praça acompanhado da esposa e do filho de 3 anos. "Essa madrugada foi um frio medonho", comentou.
Morando há 8 anos nas ruas, ele conta que agora ergueu um barraco na região da Avenida João Dias, na zona sul. As paredes de madeira e os três cobertores ajudam a enfrentar o frio melhor do que nos dias em que dormia na calçada. Mesmo assim, conta que o vento gelado apavora. No dia anterior, parte da barraca de um vizinho voou com a corrente de ar. "O vento foi tão forte que levou a lona dele", lembra.
Rodrigo conta que já foi algumas vezes para centros de acolhida da Prefeitura e elogia o atendimento da assistência social em Santo Amaro. Ele diz que sempre que precisa, liga para o 156, central telefônica da Prefeitura, e pede abrigo em um centro de acolhida. Por meio do contato, as equipes da administraçao municipal vão até ele e o levam até o abrigo.
Em Santana, zona norte da cidade, um ônibus vazio da empresa Sambaíba espera pelos passageiros que vão embarcar na Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira. O destino final do ônibus é o Clube Tietê, um centro esportivo que foi transformado em local de acolhimento emergencial para atender as pessoas em situação de rua na capital paulista.
O serviço de transporte para o centro de acolhimento emergencial também faz parte da Operação Baixas Temperaturas.
No dia 20 de junho, os termômetros marcavam 20ºC. Mesmo assim, o ônibus saiu da praça com metade dos assentos ocupados.
Antes do destino final, o motorista fez uma parada próximo à Rodoviária do Tietê, onde mais pessoas em situação de rua embarcaram. São homens com bolsas e sacolas. Alguns só de chinelos. Outros vestem sobretudos grossos.
A zona norte da cidade teve o segundo maior crescimento no número de pessoas em situação de rua entre 2019 e 2021, segundo o Censo da População em Situação de Rua. Um aumento de 74,83%, menor apenas que o crescimento visto na zona sul (78,05%).
Apesar disso, a região concentra boa parte dos equipamentos de acolhimento oferecidos pelo governo municipal fora do centro da cidade. Porém, quanto mais longe do centro, menor o número de equipamentos de acolhimento. É o caso de Perus.
Mudança de perfil
Distrito localizado no extremo noroeste de São Paulo, Perus está conectado ao centro pela linha 7-rubi da CPTM.
É lá que Marisa Teixeira, 43, vive embaixo do viaduto Deputado Ulysses Guimarães. Ela diz que o perfil das pessoas em situação de rua no bairro mudou nos últimos meses. "Agora tem aparecido muitas mulheres, com idades entre 30 e 50 anos. Tem muitos casais também, mas que se formam depois que já estão na rua", explica.
O número de pessoas em situação de rua em Perus cresceu mais de seis vezes entre 2019 e 2021. Hoje, 118 pessoas sem abrigo moram na subprefeitura. Em 2019, eram 18.
Apesar do aumento, o local não conta com nenhum espaço para que pessoas em situação de rua possam passar a noite abrigadas. A prefeitura afirma que vai criar vagas de acolhimento na região, mas não informou o prazo para a entrega.
Marisa diz que se sente mais segura morando nas ruas de Perus do que em outros lugares. "É um local que nos sentimos seguros, já conhecemos o pessoal". A região também fica próxima à casa da família dela.
Outro morador da região é Wanderson Cruz, 32, que vive em situação de rua desde os 15 anos de idade, e percebeu que o bairro tem recebido cada vez mais pessoas desabrigadas.
"Está vindo muita gente de fora para cá. Tem pessoas de vários lugares, do Morro Doce, de Francisco Morato, Franco da Rocha, ali de Laranjeiras, Jaraguá, Pirituba", comenta.
O movimento para as periferias
Presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua, Robson Mendonça explica que a falta de mais serviços de atendimento a essa população nas periferias, como pontos de distribuição de comida e locais para dormir, faz com que parte dos desabrigados vá para o centro em busca de ajuda.
"As pessoas migram das periferias para o centro justamente porque é o [local com] maior suporte, alimentação, atendimento médicos e outras coisas mais", afirma. "Aqui [no centro] ela sabe que vai conseguir [atendimento]. Às vezes até um bico, um acordo para fazer um serviço ou outro".
Nos últimos anos, no entanto, as pessoas em situação de rua foram permanecendo nas bordas da cidade. Segundo Robson,fatores como as operações policiais no centro da capital e a pandemia de Covid-19 fizeram com que houvesse uma migração de volta para as periferias.
Ele explica que em 2020, com os comércios fechados, muita gente saiu do centro para outros bairros em busca de comida.
"[Eles] sabiam que o comércio estava fechado, mas na periferia tem muita moradia. Era mais fácil chegar [no morador para pedir ajuda] do que num prédio aqui no centro", explica.
Camas do Centro de Acolhida do Campo Limpo, na zona sul de SP Região do Campo Limpo teve aumento no número de moradores de rua entre 2019 e 2,21 Local tem espaço para atividades Equipe que atende moradores de rua na região
Centros insuficientes
Com quase 32 mil pessoas em situação de rua, a cidade de São Paulo tem apenas 16.926 vagas de acolhimento, que estão divididas em CA (centros de acolhida), centros emergenciais, repúblicas e hotéis sociais.
Os centros de acolhida são os espaços popularmente conhecidos como albergues. Na capital, eles são administrados por organizações sociais, que mantêm contratos com a Prefeitura de São Paulo. Alguns são de uso exclusivo para homens e outros possuem vagas reservadas para mulheres, famílias, e pessoas transexuais.
No CA Casa Verde, localizado na zona norte, são 80 vagas masculinas e 20 femininas disponíveis. O primeiro andar recebe as mulheres e outros públicos, como a população trans e pessoas com deficiência que têm dificuldades de locomoção. O segundo é reservado para homens cisgênero.
COMO FUNCIONA O CENTRO DE ACOLHIMENTO
1️⃣ Para garantir a vaga, os frequentadores precisam de um encaminhamento da Prefeitura e, uma vez que conquistam a vaga, precisam seguir algumas regras, como não ter três faltas consecutivas e cinco faltas ao longo do mês sem justificativa.
2️⃣ Não é permitido o roubo de pertences ou que se coloque a vida de outro usuário em risco, como em brigas ou ameaças. Também não se pode usar drogas dentro do estabelecimento ou chegar sob o efeito delas.
3️⃣ Os portões se fecham sempre às 20h e no local as pessoas têm acesso ao sabonete, pasta de dente e toalha para realizar a higiene pessoal. Este centro é de uso temporário, ou seja, a proposta é dar suporte até que a pessoa consiga se estruturar financeiramente.
Distante da filha
Ricardo Silva*, 23, se encontra no CA Casa Verde há um mês. Natural do Paraná, ele veio para São Paulo com o sonho de criar um estúdio de cabeleireiro e ter recursos para cuidar da filha Sara*, 2.
Homem trans, ele perdeu a guarda da criança para a irmã há um ano, que informou à Justiça que ele não tinha condições de cuidar da própria filha. Desde que se mudou para a Casa de Acolhimento, ele não informou aos parentes e amigos próximos do novo endereço.
"Pagava R$ 750 no aluguel e mais as contas. Foi quando fiquei desempregado e tive que vir para cá"
Ricardo Silva*, morador do centro de acolhida na Casa Verde
Ao lado da cama, ele pendurou na parede retratos de momentos felizes ao lado da filha e afirma que é por ela que não desanima e luta todos os dias para recuperar a guarda.
Outra pessoa que mantém segredo de onde vive é Vagner Joselino de Souza, 45. Morador da Brasilândia, na zona norte da capital, ele morou no distrito ao longo de 10 anos com a ex-esposa. Com a separação, passou a viver em situação de rua ao longo de dois anos.
"Eu nunca tinha passado por isso. É difícil dormir na rua, suportar o preconceito e passar fome. Você não tem dinheiro para comprar comida e muitas das vezes quando você pede, as pessoas não dão", conta.
Vagner trabalhou como operador de motosserra para a Prefeitura de São Paulo e cortava árvores na Casa Verde, Freguesia do Ó, Lapa e outras localidades. Agora que se encontra desempregado, realiza bicos como eletricista para conseguir sua renda.
Antes de conquistar a vaga fixa na Casa Verde, ele chegou a viver provisoriamente em outros centros de acolhida na Lapa, Santana e Tatuapé.
Mofo e fiação exposta
A reportagem encontrou problemas na estrutura do centro de acolhida da Casa Verde, como mofo e fiação exposta.
Segundo a Prefeitura, as vagas de acolhimento serão transferidas em breve para outro prédio, em melhores condições. Outros albergues da cidade, no entanto, também enfrentam problemas estruturais.
Um relatório produzido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal apontou problemas graves em sete centros de acolhida da cidade.
O levantamento inédito avaliou a situação dos diferentes tipos de centro de acolhida da capital, desde os espaços emergenciais aos fixos, e também os que são voltados para diferentes públicos - que aceitam apenas mulheres, homens, famílias e mistos.
A vereadora Erika Hilton (PSOL) esteve na linha de frente na construção do relatório e conta que todos os estabelecimentos visitados apresentaram algum tipo de problema. O caso mais grave foi encontrado no CA Zaki Narchi, na zona norte, onde a estrutura metálica do
estava "ruindo" e possibilitava a entrada de pombos, que faziam fezes no local. Após a divulgação do levantamento, o espaço foi fechado.
"Há um rumor de que as pessoas preferem ficar na rua do que vir para os espaços de acolhimento da Prefeitura, mas quando a gente olha a realidade, em muitos casos, a rua é mais acolhedora e isso é inadmissível", diz a vereadora.
"A rua não pode ser mais acolhedora e mais higiênica do que um espaço pensado e administrado para atender essa população."
Erika Hilton, vereadora de São Paulo
A vereadora observa que este é um problema que precisa de mais atenção e visibilidade nas periferias, já que as pessoas que vivem em tais localidades são desassistidas pelo poder público em diversos âmbitos.
"Quando se fala em situação de rua, geralmente a gente pensa no Parque do Colégio, na Praça da Sé e na região da Luz. Nos bairros mais afastados, os atendimentos como Bom Prato ou equipamentos de assistência social são distantes de onde essa população se encontra", reflete.
Genisson Batista de Jesus, 54, conta que já ficou sem comida porque a unidade Bom Prato do Tucuruvi não funciona aos fins de semana. Na capital apenas as unidades da 25 de Março, Brás, Campos Elíseos, Guaianases, Lapa e São Mateus abrem aos sábados e domingos.
"Agora temos o caminhão do Bom Prato ali de segunda a sexta, porque o restaurante fechou. E de sábado e domingo ninguém pode [ir]".
Dormindo na calçada, Genisson também reclama por não conseguir uma moradia fixa. Ele diz que gostaria de ser contemplado pelos programas habitacionais e que a situação de rua o impede de ter uma vida digna.
"Como é que eu vou me desenvolver socialmente se estou em uma calçada quando deveria estar aposentado?".
Qual a solução?
Especialistas acreditam que uma das principais soluções para resolver a questão da população em situação de rua da cidade é apostar em programas de moradia permanente.
"O cidadão sem habitação é um imigrante na sua própria pátria", defende Robson, do Movimento Estadual pela População em Situação de Rua.
Para ele, "enquanto não se tratar dessa questão habitacional os demais projetos serão paliativos". "Embora esses abrigamentos emergenciais resolvam em parte, não é o essencial", explica.
As vagas temporárias em albergues são um dos modelos mais antigos de política pública para lidar com a população em situação de rua na cidade, tendo se expandido a partir da década de 1990.
Em 1997, a capital sancionou a primeira lei que definia a obrigatoriedade da criação de programas de atendimento a essa população.
A socióloga Maria Antonieta da Costa Vieira, que faz parte Rede Nacional de Pesquisadores das Pessoas em Situação de Rua, explica que o objetivo da política de vagas temporárias era de que as pessoas conseguissem se reestruturar e deixassem as ruas aos poucos, depois de receber atendimento.
A expansão das vagas temporárias de acolhimento em albergues, no entanto, não foi suficiente para diminuir a população nas ruas, que continuou crescendo ano após ano.
"Você acaba tendo mais locais de acolhimento [ao longo dos anos], só que isso não resolve o problema fundamental dessa população que é a questão da moradia"
Maria Antonieta da Costa Vieira
Maria Antonieta conta que, com o tempo, surgiram projetos que garantem maior autonomia para os abrigados na cidade, como a criação das repúblicas e dos hotéis sociais. Nesses espaços, o número de pessoas por quarto é menor e elas têm mais privacidade que nos albergues, onde dezenas de camas ficam uma ao lado da outra.
As vagas nesses locais, contudo, ainda são escassas quando comparadas à rede de centros de acolhida. Até maio, a Prefeitura tinha apenas 2.138 vagas em hotéis.
Para a pesquisadora, São Paulo precisa investir na moradia definitiva para a população em situação de rua da mesma forma que outras cidades do mundo têm feito. "Internacionalmente o que se percebeu é que os programas de acolhimento coletivo não resultavam em soluções", conta.
Ela explica que várias grandes cidades têm investido no modelo chamado de Housing First, ou em tradução livre, Moradia Primeiro. Neste modelo, as pessoas recebem casas e são acompanhadas por uma equipe multidisciplinar para tratar questões como a dependência química, por exemplo.
José Antônio Sales, 52, veio de Goiás para São Paulo há três meses. Apaixonado por música, veio para a capital para um curso de violino. O dinheiro do Auxílio Brasil não é suficiente para pagar o curso e manter uma moradia. Por isso, tem dormido nas ruas. "Eu fico na rua, mas eu pago a escola [de violino]", conta.
Reencontro?
Em São Paulo, a Prefeitura divulgou este ano um novo plano para atuar com a população em situação de rua inspirado no Housing First. Chamado de Reencontro, o programa prevê a construção de 416 casas de 12 a 18m².
As unidades serão destinadas prioritariamente a famílias, com ou sem crianças, e idosos, que estejam utilizando as ruas da cidade há menos de dois anos. Cada família poderá ficar entre 12 e 18 meses nas moradias transitórias. O investimento total no programa será de R$ 123 milhões.
Inicialmente anunciado como uma vila para pessoas em situação de rua no bairro do Bom Retiro, centro da capital, o projeto foi alterado e agora deve ser implantado nos distritos da Sé, República e Santa Cecília, também no centro.
O projeto, no entanto, é questionado por especialistas pelo caráter temporário das moradias, a priorização de pessoas com menor tempo de rua para as vagas, e a concentração de todos os moradores em uma mesma região também é alvo de críticas.
Para Aluizio Marino, pesquisador do Lab Cidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), "não basta só criar espaços de acolhimento sem pensar uma gestão social desse espaço".
Ele afirma que o projeto pode gerar conflitos, com episódios de preconceito e segregação contra os novos moradores, caso as casas sejam instaladas todas num mesmo terreno. "É um erro muito grave. Você vai estigmatizar essas pessoas e esses territórios", conta.
O pesquisador defende ainda que sejam pensados modelos que atendam aos diferentes perfis de pessoas desabrigadas na cidade, como as pessoas com algum tipo de dependência química.
Dependência
Em audiência pública para detalhar o programa Reencontro no começo de junho, o secretário executivo de Assuntos Estratégicos da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Alexis Vargas, disse que a estratégia do programa Reencontro não é feita para quem está em uso abusivo de álcool e drogas.
"É um público com recorte específico, embora ambos [estejam] em situação de vulnerabilidade social", afirmou o secretário na ocasião.
Para Aluizio, a gestão pública precisa enfrentar a questão da dependência química.
"As pessoas em situação de rua têm vários perfis. Você tem que ter modelos de acolhimento que deem garantias para que todos sejam de fato atendidos, e não criar guetos dessas populações"
Aluizio Marino, do LabCidade
Segundo o último Censo, 29,5% da população em situação de rua na cidade apontou a dependência de álcool e outras drogas como um dos principais motivos para estarem nas ruas.
A psicóloga e pesquisadora da Unifesp, Clarice Madruga, explica que é fundamental atuar de forma intersecretarial com a população que está nas ruas e tem alguma dependência química, aliando políticas de moradia a tratamentos de saúde.
"Tem que ter um cardápio variado porque cada dependente químico tem um caminho", conta a psicóloga.
Clarice explica ainda que grande parte dos dependentes químicos que estão em situação de rua "primeiro tiveram uma dependência que não foi tratada". Por isso, ela defende que cada vez mais se invistam em programas de prevenção à dependência, principalmente entre adolescentes.
"Tem que agir daqui para pensar daqui a cinco anos", explica. "Faz muito mais sentido em termos de política pública pensar no adolescente".
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