Quando criança me recordo de juntar dinheiro para comprar minha primeira Juliet da Oakley, aquelas réplicas que encontrávamos na feira de domingo em qualquer quebrada. Ao ouvir a melhor playlist de funk dos anos 2000, eu me via usando os tênis e os óculos, que eram citados nas letras. De certa forma, imaginar isso me deixava esperançoso, afinal era o sonho de cada moleque ter uma boa condição financeira.
Ainda moloque, compartilhei com minha mãe o anseio em ter a famosa "juju" - apelido dado nas músicas para os óculos da Oakley. Aquela minha felicidade em "portar o kit" se tornou uma preocupação ao ouvir as histórias que minha mãe contava. Os mesmos óculos estilosos, sob outra lupa, eram vistos de maneira marginalizada, e quase sempre um moleque sofria violência policial por usá-los.
Entre 2006 e 2011, foram tempos difíceis, e me recordo da crescente violência nas quebradas de São Paulo. Todos os moleques tinham medo de sair para a rua e virar mais uma estatística no alto índice de violência. Aquela mesma estética periférica que sonhávamos por meio da moda se tornava também um grande alvo para enquadros.
Uma década se passou e minha admiração pelo funk só se fortaleceu. Aquele moleque que sonhava em ter uma Juliet se formou na universidade utilizando uma. Ao usá-lo, me transmitiu muita emoção. Para alguns pode parecer simples, mas o sentimento de "portar a juju" atingiu a todos os favelados ali presentes. Nossas origens também devem ocupar estes espaços. Nunca será apenas moda.
Vish.. ano eleitoral!
No dia 16 de julho, fiz um post no Instagram sobre as formas de apropriação cultural utilizadas nas campanhas. A mensagem chegou para quase 35 mil pessoas, mas afinal, ver políticos de "Juliet" também te incomoda?
Não é novidade para ninguém que, em época de eleição, sempre rola aquela visita inusitada na favela. Para todo lado que observamos conseguimos ver cartazes com rostos desconhecidos, no qual fazem questão de colarem no portão ou parede da tua casa.
Desde pequeno, sempre tive a sensação de que o corpo favelado é apenas lembrado em ano eleitoral. Não era muito difícil de perceber: a cada quatro anos estávamos em evidência, as favelas sempre foram as atrações mais desejadas para o ganho de votos.
Com a popularização do funk em nível nacional, o gênero musical também foi apropriado nas campanhas entre os partidos políticos. Seja nos jingles - músicas tocadas repetidamente nos carros de som pelas quebradas - aos candidatos "posando de funkeiros" nas campanhas políticas como ferramenta de aproximação ao público jovem.
No último sábado (16), vi uma imagem na página do pré-candidato ao governo do estado Fernando Haddad (PT) em que ele, ao lado dos ex-governadores Geraldo Alckmin (PSB) e Márcio França (PSB), aparecem portando uma Juliet. E me questiono, será que eles sabem a importância disso?
Me incomodo em ver políticos usando nossos elementos, pois sei que milhares de moleques anos atrás não tiveram a mesma sorte.
Num cenário político em que se falou muito sobre o voto dos mais jovens (houve até campanhas para que adolescentes de 16 e 17 anos tirassem o título de eleitor), é comum que os candidatos aos mais diversos cargos da política estejam tentando se aproximar das juventudes.
Por um lado, a esquerda tem apostado nos óculos Juliet para chamar a atenção dos jovens periféricos - além do ex-prefeito e ex-governadores citados acima, a estratégia também já foi adotada pelo pré-candidato e ex-presidente Lula (PT).
Por outro, a direita também recorre a estratégias do gênero para conquistar o voto jovem. O presidente e também pré-candidato Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, já flertou diversas vezes nas redes sociais com o público gamer e fãs de animes.
- Obrigado pela homenagem anime! Nota 10! 👍 pic.twitter.com/T8wNBNBnqv
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) July 2, 2019
A promoção da imagem por meio de elementos de quebradas se tornou cada vez mais popular em diversos discursos ou cartazes. As formas de expressões entre os becos e vielas não podem estar à venda, como manobra ou estratégia política.
Nossa história periférica é carregada de símbolos e ancestralidade, e assim como qualquer outra cultura, deve ser respeitada. Parafraseando o mano Sabotage: por aqui tem que saber como chegar e sair.
Para além da moda, a estética de quebrada salvou a autoestima de muitos dos nossos. Por meio de uma vestimenta, há uma expressão de vida.