Recentemente eu tava em casa, e minha mãe tava preparando uma carne de panela com batata, e meu amigo Gui fez uma pergunta "O Du, agora é sério, seja sincero, você não sente vontade de comer carne e essas coisas quando você sente o cheiro, ou quando você vê alguém fazendo?"
Essa é uma pergunta que recebemos frequentemente nesses últimos seis anos lá na nossa página do Instagram, e dessa vez pensei em não só responder ele, mas também escrever sobre isso, porque de fato é uma dúvida muito comum entre as pessoas.
Voltando para a cozinha daquela noite fria na periferia de Campinas, comecei a refletir mais profundamente sobre essa questão, e me lembrei que nos dois primeiros anos sem consumir carne, leite, ovos e derivados, eu fiquei com vontade sim, porque o cheiro ainda mexia comigo, e ver o preparo ainda trazia aquela memória afetiva de quando eu comia, me vinha à cabeça os momentos sentado na mesa comendo, entre diversos outros. Mas 8 anos se passaram e hoje, eu confesso que não sinto mais nada.
Muito pelo contrário, às vezes dá até nojo de saber como aquele pedaço de carne virou carne, e principalmente quando passo em frente a um açougue, o cheiro é horrível, cheiro de pele, gordura com sangue, hoje pra mim é repugnante. Sinceramente, não sinto vontade nenhuma de consumir carne, leite, ovos e derivados.
Quando temos um hábito,- que no meu caso foram duas décadas consumindo uma determinada comida- quando você para de consumir, aquela vontade e aquele desejo é natural, faz parte, e não é um problema. Será um problema se, ao invés de olharmos para o que ocorre dentro das fazendas industriais, dos abatedouros e frigoríficos, nos preocuparmos apenas com o nosso paladar e com os nossos desejos.
Muita gente acredita que essa vontade mostra realmente como ela precisa de carne. E é claro que não! Essa vontade é só o seu cérebro acostumado e condicionado querendo revisitar aquele sabor, aquela sensação que há 20, 30, 40 anos estava acostumado a sentir.
Conforme o tempo vai passando, essa vontade diminui drasticamente e em algum momento (que é diferente para cada pessoa), pode ser em 6 meses e até 2 anos, como foi meu caso, essa vontade desaparece, ou não também. E é possível lidar com isso, entendendo que devido a décadas reproduzindo um hábito, o cérebro vai sentir falta desse estímulo.
No nosso caso, sentindo vontade ou não, consumir animais não é uma opção, somos convictos de que, se temos o básico para sobreviver, e não estamos em situação de fome, o consumo de origem animal é ultrapassado e desnecessário.
Depois que tivemos contato com todas as atrocidades que cercam a produção e comercialização de carne, leite, ovos, peles e derivados essa vontade desapareceu completamente, e no lugar surgiu uma compaixão e uma vontade gigantesca de não fazer parte disso e não financiar essa indústria que trata animais como mera mercadorias.
Se liga na ciência:
O psicólogo Jeremy Dean, autor do livro Making Habits, Breaking Habits: Why We Do Things, Why We Don't, and How to Make Any Change Stick decidiu utilizar estudos e se basear na ciência para mostrar como funciona o cérebro humano quando o assunto é mudança de hábitos, e quanto tempo o nosso cérebro se adapta a uma nova prática, seja consumir mais frutas ou até praticar atividade física de forma regular.
Baseado no estudo de Jane Wardle, da University College de Londres, publicado em 2012, o especialista mostrou que leva em média 66 dias para que alguém adquira um novo hábito, e passe a realizá-lo de forma automática.
Mas esse número varia bastante de indivíduo para indivíduo. No próprio estudo citado pelo psicólogo, teve um participante que levou 84 dias para realizar atividade física. É em média 66 dias, pois Wardle diz que as pessoas que serviram como objeto do seu estudo levaram de 18 a 254 dias para criar um novo hábito.
Porque é óbvio, qualquer mudança varia bastante de indivíduo para indivíduo. No próprio estudo citado pelo psicólogo, teve um participante que levou 84 dias para realizar uma atividade física, outro levou 18 para tomar um copo de água todos os dias depois do café da manhã.
E não depende apenas da nossa própria força de vontade, em muitos casos não depende apenas de nós, exige muito da nossa motivação, requer um esforço, e principalmente o contexto em que estamos inseridos. Porém, a questão aqui, não são quantos dias precisamos para mudar um hábito, e sim, que o nosso cérebro é capaz de mudar, seja em 21, 66 ou 365 dias, apesar de não ser simples, é possível.