Do churrasco na quebrada ao veganismo pelos animais

O veganismo popular e periférico é uma novidade, é um movimento de luta pela libertação animal por meio de uma perspectiva popular.

12 jan 2023 - 15h13
(atualizado em 13/1/2023 às 05h00)
Foto: CanvaPro

O movimento vegano está crescendo no mundo todo, e no Brasil não é diferente, mas ainda hoje o veganismo é um pouco mais comum nos meios privilegiados. É por esse motivo, que boa parte das pessoas que praticam o veganismo são pessoas que compõem a classe média urbana, pessoas com poder aquisitivo e informação para optar por alternativas, mas isso está mudando.

A maioria das pessoas imagina que ser vegano precisa ter muito dinheiro e tempo, que lutar pelos direitos animais não é coisa da periferia. O que a gente vem mostrando é que existe de fato um movimento completamente elitizado, e uma causa dos direitos animais muito concentrado e voltado para uma bolha, mas isso não é problema do veganismo, e sim do nosso sistema econômico desigual.

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O que acontece é muito simples, a periferia precisa se preocupar com questões básicas, com a sobrevivência, como moradia, alimentação e transporte, coisas básicas. A maioria da população não tem a possibilidade de ficar refletindo, pois o cotidiano social não permite. Lugares como as periferias, os sertões e os interiores funcionam de uma maneira muito diferente de lugares e de grupos com informação e grana.

Toda essa organização social que privilegia uma determinada classe em detrimento à outra, influencia diretamente nas escolhas das pessoas, e por isso leva em conta questões culturais, necessidades, luta pela sobrevivência, entre uma série de outras questões.

Por esse motivo, é muito mais fácil para uma pessoa que cresce com pessoas vegetarianas, com grana para não se preocupar com subemprego, e com tempo para pesquisar, refletir e decidir com o que contribuir e como quer viver.

O que não quer dizer que pessoas de periferias não podem mudar sua alimentação, pensar, questionar e refletir questões como meio ambiente, exploração animal, saúde pública, alimentação saudável.

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Realmente é mais difícil algumas mudanças na quebrada, mas quando a informação se torna acessível e temos a mínima possibilidade de discernir, podemos fazer muito, mas muito do que dizem que não é para gente.

Não é absurdo dizer que o churrasco é o momento mais forte entre as famílias brasileiras e principalmente periféricas, porque aprendemos a enxergar o consumo de origem animal e o churrasco como luxo, merecimento e reconhecimento. Se reunir para assar carne no quintal é o momento de comemoração, que gera um sentimento muito afetivo, que ameniza as nossas batalhas cotidianas pela sobrevivência em um sistema tão perverso.

Falamos de um lugar que estamos acostumados, crescemos em churrascos e sentimos tudo isso desde criança, lembro de sentir o cheiro do carvão queimando e me alegrar sem motivo aparente. 

Não tínhamos dinheiro para frequentar churrascarias, mas uma vez na vida e outra na morte íamos, era um momento único e de real satisfação. Éramos do tipo de pessoas que curtia comer carne mal passada e não perdíamos nenhum churrasco. 

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Até hoje, somos indagados sobre quando paramos de consumir carne e muita gente acha que isso é um hábito desde a infância, mas não, passamos a vida toda consumindo carne, leite e ovos regularmente.

O que fez a gente repensar o churrasco, repensar esse consumo foi descobrir as facetas da indústria da carne, sobretudo a situação deplorável e a situação insalubre a que os animais são submetidos.

Foto: CanvaPro

Somos nascidos e criados na periferia, tivemos todas as dificuldades de qualquer jovem periférico, mas isso não foi uma questão para não agir e enxergar a realidade na qual os animais estão inseridos. Ignorar tais atrocidades tendo informação, e poder para escolher o que fazer, não fazia o menor sentido para nós. 

É com acesso à informação e motivados a não apoiar a indústria da carne, do leite e de ovos que a gente sai do churrasco e começa a lutar pelos direitos dos animais de maneira muito contundente. 

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Na quebrada não tinha cogumelos, tofu, hambúrgueres ou queijos veganos industrializados, isso nos mostrou que o caminho mais viável era uma alimentação completamente vegetal, com muitos legumes, frutas da época e vegetais. Melhoramos a nossa saúde, começamos a economizar, e entendemos que não queremos nunca mais voltar a consumir alimentos de origem animal.

Hoje frequentamos churrascos com outra cabeça, compreendendo tudo que há por trás de cada pedaço de animal sendo defumado na grelha. A gente leva o nosso rango, nossas paradas, a única diferença é a forma de enxergar a carne, o churrasco e tudo que existe nessa convivência. O churrasco não precisa acabar, mas a crueldade animal sim.

Pega a visão:

Não existe mudança individual que seja tão eficaz para mudar uma estrutura, uma sociedade, mas em hipótese alguma irá existir uma mudança estrutural, sistêmica e ampla sem ações individuais. É importante lutarmos por mudanças políticas e estruturais, mas sempre buscando fazer a nossa parte dentro das nossas possibilidades e realidade.

Não é possível se tornar vegano com dificuldades financeiras, sem a possibilidade de se alimentar bem e se informar de maneira plena sobre o assunto. Toda luta precisa vir com um viés socioeconômico e compreensível da realidade do país.

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Leonardo e Eduardo dos Santos são irmãos gêmeos, nascidos e criados na periferia de Campinas, interior de São Paulo. São midiativistas da Vegano Periférico, um movimento e coletivo que começou como uma conta do Instagram em outubro de 2017. Atuam pelos direitos humanos e direitos animais por meio da luta inclusiva e acessível, e nos seus canais de comunicação abordam temas como autonomia alimentar, reforma agrária, justiça social e meio ambiente.
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