É incoerente um vegano de periferia trabalhar no açougue?

Muitas escolhas individuais e decisões cotidianas são permeadas por questões estruturais, políticas e econômicas.

4 ago 2023 - 12h16
(atualizado às 12h18)
Funcionário cortando pedaços de animais em açougue
Funcionário cortando pedaços de animais em açougue
Foto: CanvaPro

Ser vegano e ter que trabalhar com alguma coisa relacionada com a exploração animal é algo incoerente? É uma dúvida que também surgiu quando decidimos não mais consumir produtos de origem animal, e não só isso, mas lutar pelos animais, se tornar ativistas.

Essa dúvida surgiu porque somos nascidos e criados na periferia, tivemos uma vida com muita dificuldade, desde falta de comida, até pais em situação de rua e mãe desempregada. Ou seja, considerando esse contexto, atrelado a uma tremenda dificuldade em encontrar emprego, como negar uma ‘’oportunidade’’ de emprego porque está relacionado com exploração animal, como o açougue, por exemplo. 

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Por sorte, não chegamos a trabalhar com nada relacionado a animais diretamente. Eu até trabalhei como promotor de vendas em supermercado, abastecendo pães e panetone nas gôndolas de supermercado (produtos com derivados de ovos e leite). Mas eu não tinha escolha, a minha situação nessa época era muito insustentável, e ser promotor de vendas era a única coisa no momento.

Atualmente conseguimos sobreviver do nosso trabalho na internet, mas muita gente que vira vegana na periferia precisa confrontar esse dilema diariamente. Vivemos em uma sociedade estruturalmente especista, isso quer dizer que a maioria dos produtos, dos trabalhos, estão envolvidos de alguma forma com exploração animal. Existem outros empregos, claro, mas e quando o que sobra e está mais fácil é algo que vai contra os princípios do veganismo?

Para uma pessoa de classe média, que não precisa se preocupar com coisas básicas, como alimentação, pagar uma conta de água e luz, colocar passe no cartão, esse dilema parece até abstrato. Mas para pessoas do nosso meio, inseridos na nossa realidade, é um dilema real.

Não existe uma resposta certa ou errada, existe uma análise baseada na realidade. Se estamos precisando de um trabalho para questões de subsistência e a única coisa que surgiu foi algo não muito adequado ao veganismo, não tem muito o que fazer. É pegar, trabalhar, conseguir comprar comida, pagar as contas e procurar alguma outra coisa que seja mais alinhado com suas ideias.

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A sociedade é desigual e especista, e para nós que estamos dispostos a lutar contra o especismo, sendo vítimas da desigualdade, dilemas como este se manifestam com frequências. Portanto, não é incoerente se baseando no fato de que se você não tiver um emprego, nem comprar vegetais será possível. Claro que uma pessoa que é de periferia, mesmo que esteja em uma situação complicada financeiramente, como era o nosso caso, só trabalhará no açougue se não tiver absolutamente nenhuma outra ‘’oportunidade’’ de emprego.

O fato de trabalhar por necessidade, é uma condição que está além da decisão individual. Infelizmente, nesta sociedade capitalista e desigual, a população periférica é jogada aos subempregos, a falta de ensino de qualidade, necessidades básicas que deveriam ser garantidas constitucionalmente obrigam a população periférica a aceitar qualquer coisa.

Pega a visão: 

Não existe incoerencia quando a população não tem o básico para escolher nem como quer viver. 

Leonardo e Eduardo dos Santos são irmãos gêmeos, nascidos e criados na periferia de Campinas, interior de São Paulo. São midiativistas da Vegano Periférico, um movimento e coletivo que começou como uma conta do Instagram em outubro de 2017. Atuam pelos direitos humanos e direitos animais por meio da luta inclusiva e acessível, e nos seus canais de comunicação abordam temas como autonomia alimentar, reforma agrária, justiça social e meio ambiente.
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