Paramos de consumir carne, leite e ovos havia apenas 9 meses quando entramos pela primeira vez num estabelecimento vegano numa área nobre da cidade, localizado há mais de 20 km da região onde a gente mora.
Assim que entramos nos deparamos com um monte de gente com camisetas e bonés com escritas em inglês. Lembro-me que estranhamos e tivemos que procurar no Google para saber o que estava escrito numa dessas camisetas, e descobrimos que a frase tinha um potencial gigantesco para causar reflexão.
Saímos daquele estabelecimento, entramos no ônibus e começamos a escrever um dos primeiros textos da página 'Vegano Periférico'.
Depois disso, começamos a frequentar algumas feiras e eventos veganos e nos deparamos com inúmeros estabelecimentos com nome em inglês, cardápios em inglês, sendo que alguns desses nomes não conseguíamos nem pronunciar quem dirá entender.
A palavra mais comum e utilizada é a palavra 'Vegan', que significa Vegano em português. Pelo fato de estar em inglês e o movimento vegano ainda ser um pouco distante da maioria, a palavra 'Vegan' pode ser associada a algo sofisticado ou 'gourmet', dando a entender que o movimento é para uma classe média instruída com poder de compra e acesso à educação de qualidade. O que está longe de ser verdade.
Atualmente, estamos com diversos ativistas organizando um evento sobre veganismo popular, e fizemos uma brincadeira na página do Instagram pedindo a opinião dos seguidores para saber qual dos nomes sugeridos para o evento eles achavam melhor. As opções eram ''Veganismo Popular contra o fim do mundo'' ou ''São Paulo Vegan Week''.
Apesar de não ser nenhuma novidade, nos chamou a atenção que diversas e diversas pessoas escolheram ''São Paulo Vegan Week'' como nome para um evento sobre Veganismo Popular.
Teve uma pessoa que mandou uma mensagem no 'Direct' dizendo assim: ''Se é sobre veganismo popular, inclusivo e acessível tem que ser em português''.
Entramos no perfil dela, e vimos que a biografia estava repleta de adjetivos em inglês como 'Vegan' e 'Ecologic', por exemplo.
Quando usamos palavras estrangeiras para divulgar uma causa ou só montar uma biografia em uma rede social, não notamos que apenas 5% da população entende o que estamos dizendo ou querendo dizer.
O problema não é a língua inglesa, ou qualquer outra língua estrangeira, não existe problema nenhum em estudar inglês, ser bilíngue, muito longe disso, num mundo conectado e globalizado, estudar outro idioma é fundamental.
O real problema é que apenas 5% da população brasileira fala uma segunda língua e apenas 1% é fluente em inglês.
Usar o inglês da forma como o movimento vegano e diversos outros usam, é uma forma de manter os debates afastados da maior parte da população, e se manter cada vez mais elitizado e excludente. Sem contar que temos a tendência de valorizar tudo que é de fora, achamos mais bonito, mais chique escrever em inglês, porque de fato, se tratando de uma causa, de ativismo, o ideal é que as pessoas compreendam e se sintam parte da luta.
Isso não quer dizer que a população é ignorante e desinformada por preguiça ou que não tem capacidade de pensar, muito pelo contrário, quer dizer que a maioria é ignorantizada e vítima de um crime social pesado. Além disso, tem a questão de não valorizarmos a riqueza da nossa língua.
Utilizar palavras em inglês pode ser mais chique e 'cool', mas dessa forma estamos ignorando a popularização do movimento e perdendo a oportunidade de transmitir de forma simples e direta uma mensagem ou um ponto de vista tão importante quanto a exploração humana e a crueldade animal.