Marcelino Melo, mais conhecido como Nenê, 27 anos, é alagoano e atualmente morador do bairro Campo Limpo, na zona Sul da capital paulista. É ele o artista que está por trás da Quebradinha, um projeto artístico de sucesso nas redes sociais, mostrando miniaturas de casas e comércios periféricos. Sua obra estará presente no PerifaCon 2023.
Nenê diz que a Quebradinha é a sua criação mais recente, mas que, acima de tudo, é um fazedor, um “agitador cultural”, como se diz em São Paulo. “Eu despertei e me aceitei ser chamado de artista a menos de dois anos. Meu contato com a arte, pensando hoje, foi quando eu morava no sertão de Alagoas e fazia uso de criatividade para suprir necessidades básicas”.
Apesar da aceitação como artista, ele tem sérias restrições ao sucesso fácil. “A arte é isso: tem muito glamour, mas é para saciar a fome. Fazíamos carrinho com lata de óleo, de sardinha, criança é o ser mais criativo. O meu contato com arte surge aí”, analisa Nenê.
Quebradinha bombou
A página do Instagram (@quebradinha) tem mais de 200 mil seguidores: “Eu comecei a postar no insta não para divulgar. Eu fiz com o intuito de guardar a memória, registrar o processo. Tanto que eu não sigo ninguém, nem ao meu insta pessoal. Mas que bom que aconteceu”, reflete Nenê.
Perguntado sobre quais são as suas inspirações artísticas, ele diz que não tem nenhuma referência entre escultores. Mas tem várias entre artistas da poesia periférica escrita e cantada. Nenê lembra que o poeta Sérgio Vaz, da Cooperifa, falou que “na verdade a poesia mora no poder da síntese, ela nem mora no assunto”. Suas réplicas em miniatura são sínteses arquitetônicas.
Nenê também gosta de citar, entre outros, mano Brown: “Ele é talvez o maior escritor do Brasil, falando de música, porque ele tem um poder muito grande de síntese. A Carolina Maria de Jesus tem um poder muito grande de síntese. Muita gente é minha referência. Menos os boys. Os meus, as pessoas que se parecem comigo, são a minha referência. É muita gente.”
Arte engajada, social, de resistência
Segundo Nenê, seu principal motivo artístico é resgatar memórias, guardar e eternizar. E ele gasta muita energia nisso. “Chegou em um momento que entendi que eu tenho um puta rolê e apego pras memórias. Como deixar elas vivas? Eu, um alagoano morador de São Paulo? É a memória do nosso povo, o histórico brasileiro de pobres, principalmente pretos e indígenas, contra o apagamento de memórias”.
Para exemplificar como ela é explorada em seus trabalhos em miniatura, Nenê cita uma das casinhas que construiu: “Quando chego na casinha 6, na casinha verde, eu coloco uma pia daquelas de cimento de suporte de tijolo. Um monte de gente também teve na casa dos seus avós”, relaciona.
Outros objetivos do seu trabalho são trocar afetividade e reforçar o cunho político da arte: “Eu entendo que as miniaturas trazem uma parada individual de quem vê, mas parte de mim. A casas de número 8 eu falei da fome, pensei em Carolina Maria de Jesus. Resgate e preservação da memória favelada”.
Afeto por habitações periféricas
Recentemente, Nenê descobriu que sua arte atinge muito mais longe do que os confins da cidade de São Paulo. “É de toda a América Latina. Isso muda muito o meu horizonte, porque dá para falar da América Latina inteira, é sobre como se ela coloca no mundo”, e completa. “Não entendo como o brasileiro não se coloca como latino”.
Ele deixa uma mensagem a outros artistas em início de jornada: “Arruma um emprego porque o bagulho é loko, mas seja o mais verdadeiro possível consigo, com o outro. Você decide, mas se você for verdadeiro consigo mesmo, o resto é resto, o resto acontece”.