Artista do Grajaú retrata casinhas das periferias nas telas

Inspirado pelo grafite, Ricardo Negro já levou suas obras para fora do país e foi convidado para estampar o trabalho em Havaianas

4 mar 2023 - 05h00
Ricardo Negro apresentando suas pinturas e esculturas
Ricardo Negro apresentando suas pinturas e esculturas
Foto: Laio Rocha/Reprodução

O artista plástico Ricardo Negro, 34, diz que a vida dele é a prova do poder transformador da arte. Criado no Grajaú, na zona sul de São Paulo, ele lembra de brincar nas ruas de barro com esgoto a céu aberto. Nos anos 2000, começou a observar as pichações nos muros e surge ali a inquietação de entender o significado dos códigos escritos nas paredes. 

“Muita gente entende que a pichação é algo marginal, mas também é um meio de comunicação, protesto e arte. Através disso, um moleque pobre, preto e favelado que não teria nenhuma oportunidade de pensar em ser artista, começa a ter o desejo de estudar”, diz. 

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Ricardo conta que, aos 12 anos, fez o primeiro grafite em um muro perto de casa, junto ao irmão e um amigo. No final da adolescência, entrou no curso de artes visuais com uma bolsa de estudos parcial e, por dois anos, trabalhou no telemarketing para ter o dinheiro para pagar o valor restante das mensalidades. 

“Acordava às 5h e chegava em casa às 00h. Se eu quisesse comer um hot-dog, tinha que passar por debaixo da catraca do busão para economizar R$ 1,50. Foi um perrengue”, lembra. Mais tarde conseguiu uma bolsa integral, o que lhe permitiu ter mais dinheiro para se alimentar e comprar os materiais de pintura. 

Ricardo Negro também faz um trabalho educacional, com o objetivo de democratizar a arte na periferia
Foto: Laio Rocha/Reprodução

Foi durante a graduação que ele passou a pintar as casinhas das periferias – que posteriormente passaram a ser sua marca registrada. No último ano da faculdade, participou de um concurso para formandos, no qual desenhou as moradias para retratar o lugar onde morava. Apesar de não ter ganhado, o estudante foi selecionado para expor o trabalho na universidade. 

Com os quadros finalizados, o comentário de uma amiga fez Ricardo firmar um propósito como artista. “Ela me falou: ‘sabe por que você não ganhou o prêmio? Porque desenhou essas casinhas que não têm nada a ver’. Ela não falou por mal, mas aquilo me incomodou demais. Comecei a pintar mais e fazer uma exposição sobre o tema”, conta. 

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Também foi durante as aulas que ele passou a indagar o motivo de só estudava a história da arte europeia. Por isso decide adotar o nome artístico de Ricardo Negro, uma forma de expressar orgulho pela própria origem e prestar uma homenagem à mãe Alaide, que tinha o apelido de “Dona Nega” por ter a pele retinta. 

Foto: Laio Rocha/Reprodução

O corre de um artista 

Em 2011, o artista foi para o Rio de Janeiro fazer uma pesquisa de campo. Lá, ele fotografou a favela da Rocinha, o Complexo do Alemão, o Complexo da Penha e o Morro do Vidigal. 

"Dessas imagens, comecei a observar os detalhes. Tinham muitos tons de laranja por causa dos tijolos e eu cresci em uma casa de tijolo baiano. Vi que um traço pode definir uma casa e que elas estão conectadas uma a outra”, explica. 

Entre 2011 e 2012, pintou 28 telas. Posteriormente, recebeu um convite para integrar a galeria de arte de Roberta Britto, irmã do artista brasileiro Romero Britto, na rua Oscar Freire, zona oeste de São Paulo, e expôs a arte sobre as periferias no local. 

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Em 2016, Ricardo se desligou da galeria e decidiu apostar na carreira independente. Nessa época, é convidado pela marca Havaianas para ser o primeiro artista a integrar o projeto “Retratos do Brasil”. A coleção tinha o objetivo de retratar nas sandálias a realidade de diversos moradores em comunidades por todo o país. Ele fez três estampas diferentes. 

As Havaianas foram inspiradas nas casinhas do Grajaú, no extremo sul de São Paulo
Foto: Laio Rocha/Reprodução

A partir disso, conseguiu levar a representatividade da periferia para o mundo: surgiram outros convites para expor o trabalho em Portugal e na Inglaterra, no continente europeu. Também participa de exposições individuais em Miami, nos Estados Unidos, pela Anthony Liggins Gallery 88, e dentro de um hotel em Londres, no Reino Unido. 

“Não acreditei que estava tomando café com um monte de ‘bacana’ e conversando sobre ir para escola com os pés sujos de barro. Olha o potencial de transformação da arte, simplesmente por ter acesso. Tem muita gente boa que só precisa de uma oportunidade”, diz. 

Em novembro de 2022, ele decide fazer uma exposição com o conjunto da própria obra na periferia da zona sul de São Paulo. “Origens” ficou em cartaz no Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) Interlagos, no distrito da Cidade Dutra. 

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Registro da exposição “Origens” no Cedeca Interlagos
Foto: Laio Rocha/Reprodução

A mostra abordava a história do artista, como a questão de ser filho de imigrantes nordestinos que vieram da região da Chapada Diamantina, na Bahia, e foram para o Capão Redondo e depois passaram a morar no bairro Cantinho do Céu, ambos na zona sul. 

“Sempre pensei em um lance de popularizar [a arte] e permitir que todos tenham acesso. O que nosso país precisa hoje é de investimento pesado em cultura e levar isso para as periferias. Trazer galerias para cá e levar mais artistas daqui para o centro. Poucas pessoas estão preocupadas com esse trâmite”, reflete. 

Além das telas, Ricardo também trabalha com esculturas, desenhos, pôsteres digitais e pinturas feitas em tecidos. Também realiza o trabalho de pintura escolar com grafite, palestras e oficinas. Para conhecer mais sobre o trabalho do artista, acesse o perfil no Instagram e o site

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