Letícia Leal, 23, tinha três anos quando teve o primeiro contato com o balé. Vinte anos depois, ela trouxe a dança para a periferia de São Paulo e é dona de uma escola na Vila Curuçá, zona leste da capital paulista, onde ensina alunos e alunas com idades entre três e 30 anos.
Contudo, nesse período que compreende a primeira interação com a dança até chegar às aulas de balé clássico como professora, ela teve que enfrentar diversos desafios. Formada pela Escola de Dança da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, a bailarina conta que a formação foi composta por altos e baixos, a começar pela aprovação no curso.
Cerca de 33 quilômetros separam a Vila Curuçá, onde Letícia mora, do Theatro Municipal, no centro da cidade. Receber a aprovação da instituição significaria enfrentar sozinha, aos 13 anos, um deslocamento que poderia durar até quatro horas por dia.
“Para minha mãe, isso iria desestruturar toda a rotina da minha família. Ela tinha medo, [porque] era muito longe e eu ia ter que pegar o Metrô”, diz Letícia.
“Você se sente em desvantagem por vários motivos. Tem que acordar muito cedo para estudar, depois levar um tempão para ir até lá. São duas horas de transporte, [você] chega lá já cansada.”
Apesar dos temores da mãe, Letícia não tirou da cabeça a ideia de ser uma bailarina profissional. A primeira impressão que a jovem recebeu da instituição foi boa. Ela foi bem acolhida e conseguiu aprender muito com as aulas. Mas a troca da direção do curso mudou a perspectiva construída até então.
A partir daí, as características físicas da jovem começaram a se tornar empecilhos. “[Era] totalmente elitista. Eles escolhiam as pessoas que iam dançar, e essas pessoas teriam que atender a determinados padrões”, conta a bailarina.
Ela cita o caso de quando um professor sinalizou para uma colega de classe que ela teria vantagens por ser branca, alta e magra. “Eu não sou alta, não sou branca e não sou magra”, relembra.
Com essa experiência, ela decidiu transformar o balé numa possibilidade para pessoas de todas as cores, corpos, idades e realidades sociais. A escola “Letícia Leal Núcleo de Dança”, que começou em 2017 na sala de estar da casa da mãe, hoje tem o próprio espaço e conta com 65 estudantes.
Um deles é Renan Alves, 17, também morador da Vila Curuçá. Ele foi incentivado a fazer as aulas por um amigo da igreja, que hoje também trabalha como professor na escola de Letícia. “Naquela época não passava pela minha cabeça dançar um dia, ainda mais balé”, diz.
“Hoje não consigo passar um dia sequer sem dançar”, acrescenta Alves, ressaltando as dificuldades em se ter acesso à cultura na periferia. “É só olhar o valor do ingresso.”
O espaço não cobra mensalidade de bailarinos homens e também oferece bolsas para estudantes de escolas públicas, de baixa renda e beneficiários do Auxílio Brasil.
Para Letícia, toda a bagagem no balé, adquirida no centro de São Paulo, a levou de volta para a periferia, agora com o objetivo de proporcionar que mais pessoas da região tenham acesso a uma modalidade de dança que, segundo ela, sempre pareceu distante da realidade de quem vem da periferia.
“Hoje consigo dar uma aula ‘padrão centro da cidade’ em um bairro periférico”, diz. “O propósito da minha vida é dar uma coisa nível Bolshoi de uma maneira amável, que não prejudique ninguém e que engrandeça a vida das pessoas”, finaliza, referindo-se ao Ballet Bolshoi, uma escola fundada na Rússia, considerada a maior do mundo.
Além do balé, a escola também oferece outras modalidades, como jazz, dança contemporânea e dança do ventre.
SERVIÇO:
Letícia Leal Núcleo de Dança
Endereço: Rua Lactâncio, 58 - Vila Curuçá Velha, São Paulo - SP
Horário das aulas: Segunda, quarta e sexta, das 18h às 21h30; terça e quinta, das 16h às 21h30; e sábado, das 8h às 13h
Contato: (11) 94828-1076