“Se tu ama essa cultura, como eu amo essa cultura, grita hip hop”. Essa é a voz que ecoa nas rodas de batalhas de rima em São Luís, um frase emblemática que, pelo Brasil inteiro, incentiva a plateia. O hip hop é um movimento artístico, social e cultural que envolve dança, música, pintura e conhecimento. Os primeiros passos foram dados em Nova Iorque no final da década de 1960 e a cultura se espalhou pelo mundo, chegando, inevitavelmente, ao Maranhão.
O hip hop completa meio século. Foi e continua sendo escola para mulheres, homens e divergentes do padrão de sexualidade dominante, pessoas que rimam, grafitam, dançam e produzem bases musicais. Desdobramento recente do hip hop, nas periferias do Brasil inteiro as batalhas de rimas vão além do entretenimento: são escolas de cidadania e arte para a comunidade. Formam e revelam talentos, como em São Luís.
Muitas vezes, nas batalhas de rimas os elementos da cultura se combinam para formar um grande evento. São ferramentas para discutir temáticas raciais, violência, saneamento básico, gênero e situações que atravessam as realidades da periferia e suas populações. Na capital maranhense não é diferente.
Batalhas de rima, escolas de vida
As batalhas de rima são uma realidade em muitos bairros periféricos de São Luís. Reúnem a galera local e atraem pessoas de outras quebradas, ocupando espaços públicos como praças, ruas e esquinas. As batalhas acontecem com caixa de som ou não, às vezes só no gogó, valendo “cem conto” ou uma pizza. Basta ter um espaço disponível e o mínimo de organização, que rimadoras e rimadores “brotam”, como diz a galera.
Às vezes, nem tem busão para voltar para casa, mas a rapaziada vai lá pra rimar. Toda batalha é uma aula que não pode ser perdida na escola do hip hop. E são tantas batalhas de rimas espalhadas na Ilha do Amor... Tem a batalha da Liberdade, do Anjão, batalhas da V.E e C.O, entre outras.
A organização é feita de forma orgânica, com edições durante o ano. Boa parte do patrocínio para as premiações vem dos moradores e empreendedores locais. É um movimento cultural feito pelo bairro e para o bairro. Torna-se, assim, um evento que mobiliza, enche as praças e torna a roda de rimas uma escola. Em vários bairros, promovem os poucos momentos de lazer da comunidade.
Batalha da V.E.
A Batalha da V.E. acontece no bairro Vila Embratel desde 2017, sempre na Praça das 7 Palmeiras. Estar à frente desse movimento não é tarefa fácil: precisa de amor pela cultura, como diz o refrão que abre as batalhas, repetido por Maçuka, organizador dos encontros.
A iniciativa começou com o interesse em promover dentro do próprio bairro as batalhas que Maçuka e os amigos frequentavam na Praça Deodoro, no centro da cidade. Trazer o evento para a quebrada virou ferramenta para positivar o bairro. Ele pensou “então vamos fazer aqui para que o pessoal possa ver esse mesmo movimento que a gente vai ver fora”.
Assim como em outras batalhas, Maçuka mostra como a da V. E é importante para o movimento hip hop e escola para muitas e muitos MCs, como são chamados os rimadores na sigla em inglês, cuja tradução é “mestre de cerimônias”. Também pode, e deve, ser usada no feminino.
“A batalha da V.E ajudou o movimento, ela também foi um ponto para muitos MCs que já estão na cena. Eles querem estar lá, participar. É uma batalha que sempre deu prioridade para os artistas, tenta promover, dar dinheiro, dar brinde.”
Batalha da C.O
A C.O, como é conhecida a Cidade Operária, é um dos bairros de maior concentração populacional de São Luís. E é lá na Praça do Viva que acontecem as batalhas de rima. Willian Juda, que responde pelo vulgo de Zeed Willians, é o responsável pela organização. “A C.O é uma escola sim de MCs, deu chance para muitos, que batalharam pela primeira vez aqui e foram se conhecendo como artistas.”
A batalha começou a ser realizada em 2017, com a motivação de promover o movimento hip hop no bairro. Frequentantes de batalhas no centro da cidade, Zeed e amigos trouxeram a cultura para a quebrada. Alguns MCs que não podiam se deslocar para frequentar outras batalhas.
Zeed se orgulha dos artistas revelados. “Jeff, que foi o representante local do campeonato nacional de 2017, a melhor campanha maranhense, é cria da C.O.” Não são só homens que se destacam.
Batalhando desde 2015, a jovem rimadora Morango Kush é campeã de várias batalhas, levando representatividade feminina para as rodas. E deixa seu recado. “A gente tá ocupando lugares onde não tem nenhuma atenção do governo, tá totalmente à mercê. A gente chega com um movimento das batalhas de rimas trazendo entretenimento. Isso chama a atenção da juventude para apreciar, fazer parte e ocupar a mente”.
As três intenções estão se realizando.