O circo é uma manifestação popular que tem o objetivo de divertir e surpreender o público. Artistas como malabaristas, contorcionistas, palhaços, mágicos, entre outros, percorrem as cidades e se apresentam de forma periódica em cada local. A origem etimológica vem do latim, circus, que significa círculo ou anel. O termo remete às arenas romanas, lugares onde se praticavam esportes e lutas. Mas além de ser uma arte cênica, o circo tem exercido um papel fundamental nas periferias e favelas do país.
Na vida de Moisés Macedo, 40, morador de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, o circo representou muito mais que entretenimento. Ele conta que iniciou as atividades circenses muito cedo, participou de programas e projetos, mas que o padrasto era autoritário e machista, e achava que gostar de arte era um problema. Aos 14 anos foi expulso de casa e acolhido por amigos mais velhos. “Como era ele quem pagava o aluguel eu tive que sair. Hoje sei que não foi uma decisão fácil para minha mãe, então encaro isso como uma oportunidade”, relembrou.
Moisés, mais conhecido pelo nome artístico, Palhaço Gambiarra, se tornou professor de Educação Física da rede pública e decidiu repassar tudo que aprendeu para a comunidade onde cresceu: o resultado foi muito bom. Hoje temos vários artistas trabalhando e dando aula de circo.
A paixão pela arte levou o palhaço a fundar a escola de circo do Ribeirão no bairro Tony, há mais de 20 anos, porém, perdeu o espaço ano passado. “Quando parei de pagar as contas e passei a responsabilidade para a associação, começaram a cortar a luz, a água e o local ficou insalubre”, explicou.
Apesar de ter investido na estrutura do local e não ter recebido o retorno, ele não desanimou. Continua com o projeto em uma associação no bairro Mantiqueira, periferia da capital, e complementando as atividades em outros espaços que têm condições para a realização dos aéreos.
Gambiarra faz questão de incluir nas aulas tudo que existe num circo tradicional, mesmo com a falta de verba. Atende em torno de 30 alunos entre seis a 38 anos. As aulas são gratuitas, voltadas para pessoas da periferia e ele ainda oferece o lanche por conta própria.
O professor tem uma filha de 18 anos, que também está seguindo a tradição circense, que é vivenciar a arte transmitida pelas gerações anteriores. Ele acolhe os jovens com o mesmo carinho em que foi acolhido em sua infância. Ressalta que existe uma grande procura dos públicos LGBTQIA+ pelo circo. Um deles, é o aluno Ryan Luciano, 19, que ele considera como filho. É gay não binário, artista desde os 13 anos e participa de quase todas as atividades. Ryan fala que sempre teve uma conexão com o circo e que ele estava traçado em seu destino: foi ele que me escolheu, ele já sabia que ele era pra mim. O jovem também é cabeleireiro, maquiador, bailarino, trancista, designer de sobrancelha e estudante do Senai. “Conciliar tanta coisa exige força, resistência e equilíbrio. E isso eu já aprendi no circo”, brinca.
Ryan fundou o Circurumim, projeto social parceiro do Movimento Ocupa Curumim que atende crianças, adolescentes e jovens comunitários do entorno de Neves. Os professores são voluntários e o projeto não tem nenhum patrocínio. O cocriador, Rodrigo Santos, 24, reforça que os materiais das oficinas, uniformes, lanches e equipamentos são fornecidos pelos próprios professores e o projeto sobrevive com a ajuda da sociedade civil, artistas e produtores culturais da comunidade.
“O objetivo principal do Circurumim é utilizar das metodologias e pedagogias do circo como mecanismos de resgate social da criança, adolescente e jovem que vive em situação de vulnerabilidade social. E chamar atenção das autoridades públicas para os direitos ao acesso às fontes de cultura garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, destacou. Além das aulas, o Circurumim participa de ações de impacto social, feiras, campanhas de doações de roupas, brinquedos e cestas básicas.
Mesmo com os obstáculos, os projetos circences dessas comunidades têm formado artistas que já integram o mercado artístico em todo o país. O palhaço Gambiarra cita diversos alunos que atuam dando aulas e fazendo apresentações em outros Estados. Associa a persistência da classe ao seu nome de palhaço: Gambiarra porque conheci um senhor com esse apelido que trabalhava em muitos projetos sociais e também porque eu gostava de fazer uma coisa e outra, meio que uma gambiarra, uns remendos para fazer a coisa funcionar.
Para todos os entrevistados, o que o circo representa em comum é a mágica de mudar a forma de enxergarem o mundo e atuar como elemento transformador.