A coletânea de poesias “Espelhos da Quebrada”, lançada em 2022, reúne 40 artistas das periferias de São Paulo e da região metropolitana em cinco livros – um para cada região da capital paulista: norte, sul, leste, oeste e centro (com convidados especiais).
A iniciativa é da editora independente Grandir Produções, fundada pela produtora e gestora de projetos Juliana Correia, 29. Ela conta que a ideia é que os autores se apresentem com o objetivo de “diminuir as distâncias territoriais a partir das semelhanças nas vivências.”
Assim, cada convidado aborda a própria vivência na quebrada de forma livre e poética, mostrando o quão próximas e semelhantes essas regiões são, independentemente da distância física.
“Boa parte das poesias são inspiradas nas batalhas e nos slams [competições poéticas], usando as referências do dia a dia, referências artísticas e culturais”, explica a produtora.
Juliana iniciou a Grandir Produções inspirada nas batalhas de poesia e nos saraus, publicando o trabalho de artistas independentes que frequentavam esses eventos. Os primeiros materiais foram produzidos para professores e educadores.
O “Espelhos da Quebrada” foi contemplado pela Lei de Incentivo Aldir Blanc e a editora abriu um edital para convidar autores e autoras a participar do projeto, dando incentivo à inscrição de pessoas negras, com deficiência e LGBTQI+ (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexo e mais).
“Muitas pessoas deixaram de se inscrever para participar da coletânea por medo e insegurança”, conta a gestora. Os poetas contemplados receberam o valor de R$ 200 e dez exemplares do título com a própria obra para serem comercializados.
As capas dos livros têm relação com os trens do Metrô, e as cores das linhas de cada região. “Quem usa o Metrô e o trem é a periferia, uma contradição proposital, já que na periferia não tem transporte. Dessa maneira acontece com as escritas: apenas os artistas conseguem contar as próprias vivências”, diz Juliana.
Um dos escritores é o poeta Matheus Lima, 26. Nascido em Salvador, na Bahia, ele veio morar no município de Osasco, na região oeste da Grande São Paulo, em 2009, aos 13 anos.
Na adolescência, descobriu as batalhas de rimas que aconteciam em bairros próximos, como a batalha do Rochdale, na periferia da cidade, onde conheceu a forma de criar e declamar a poesia em cima dos beats. Foi nessa época que ele passou a ser conhecido como Teteu na Voz.
Matheus trabalha fazendo pipas nas lojinhas do bairro Vila Piauí para se sustentar e, no tempo livre, recita poesias. “Comecei a trabalhar com pipa, mas sempre estou escrevendo. Quando escrevo é como se eu estivesse desabafando”, diz.
Nas poesias rimadas, Matheus faz referências a mulheres fortes como exemplos a serem seguidos, e cita as cantoras Nina Simone e Dina Di, e a pintora Frida Khalo. “Que o povo mantenha viva as ideias da Nina, da Dina, da Frida”, declama na poesia “Que a guerra não declara, se declare cabada”.
Na coletânea, ele participa com duas poesias: Preto Tipo A e P.C.C – um trocadilho para Papel, Caneta e Coração. “Por não estar conseguindo pagar aluguel, vem sempre na cabeça o crime, né? É a porta de entrada mais fácil para a gente. Então escrevi uma rima que mostra que precisamos ser diferentes disso”, explica.
“Noiz” não é o crime,
“Noiz” não é o creme,
“Noiz” é o PCC
Papel,
Caneta
&
Coração.”
Dentre os objetivos, ele quer construir um futuro promissor junto à poesia. E, para isso, tem como uma das maiores influências o cantor Eduardo Taddeo, um dos fundadores e líderes do grupo Facção Central.
“Os moleques das quebradas precisam escutar as letras do Eduardo, precisam entender que todos somos ‘Pretos tipo A’, que eu falo na minha poesia, não podemos aceitar qualquer coisa”, conclui.
“Quem dera eu ver todos os pretos
vivendo feliz
Quem dera eu ver todos os pretos
honrando sua raiz.”