Por trás do sucesso dos vídeos de stand up comedy na internet, surge também o sonho dos comediantes periféricos em ocupar o mesmo espaço de nomes já consagrados no gênero. Para isso, alguns lidam com a distância entre a casa e os locais de apresentação, e uma dupla jornada de trabalho para subir aos palcos.
Esses comediantes encontram suporte nas amizades construídas com os parceiros de profissão para enfrentar os obstáculos no dia a dia. É o caso de Felipe Hatori, 25, morador de Suzano, na Grande São Paulo. Ele passou a fazer vídeos de humor para o YouTube em 2015 e, desde então, tomou gosto pela elaboração de roteiros.
“O YouTube estava bombando. Eu queria escrever piadas, pensei no stand up e comecei a estudar. Fui subir no palco mesmo só em 2017 para fazer uma noite de abertura. De lá para cá, não parei”, relembra.
Aos 17 anos, Hatori chegou a abrir uma loja para conserto de celulares e computadores, mas faliu no ano seguinte. Após isso, trabalhou em lojas de terceiros no mesmo ramo. Acordava cedo, ia para o trabalho e depois saía para as apresentações em bares e teatros.
Somente em 2021, o comediante parou de conciliar o trabalho de lojista com os shows, e passou a se dedicar apenas ao humor. Segundo ele, o apoio dos colegas é fundamental para permanecer na cena.
“Tem um fortalecimento muito forte, uma galera muito boa que está ralando demais para fazer acontecer. O Juliano Bezerra, por exemplo, é um cara que desde o começo eu trombo com ele. A gente se encontra até com mais frequência para escrever juntos”.
Juliano Bezerra, 30, é morador de Guaianases, na zona leste de São Paulo, e atualmente se dedica à elaboração de roteiros para a Netflix, o Parafernalha e o Planeta Podcast, além de se apresentar em shows de stand up comedy.
Hoje, Hatori faz parte do quarteto “Os Japas”, ao lado de Atila Shinhe, Renato Kunichiro, Richard Sakamoto e Tossiro Neto. Também é integrante do “Bateu a Nave”, com Gabriel Lacerda, Gil Santos e André Smith, além de escrever roteiros para os vídeos do humorista Jonathan Marques.
“É uma galera muito boa que veio da quebrada, de uma condição difícil e está batalhando para conciliar a comédia, fazer o trampo e sobreviver”, diz.
Perrengues rotineiros
Esperar o Metrô abrir é um dos perrengues mais recorrentes entre os comediantes que moram na quebrada. Os shows que acabam tarde, somados à distância dos locais das apresentações, fazem os profissionais passarem a madrugada aguardando o primeiro embarque.
Yago Flauzino, 30, morador de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, ilustra bem o caso. “Já dormi no banco do Habib's esperando o Metrô abrir porque o show era distante e acabou tarde. Também já dormi na própria estação. Pegar o primeiro trem às 4h40 para voltar é bem difícil”, desabafa.
Ele não consegue viver apenas da comédia, então trabalha como auxiliar de produção em uma indústria do ramo pet durante o dia. Também ressalta as despesas com o valor do transporte ou até mesmo para consumir algo no lugar da apresentação.
“De dia eu ganho dinheiro e, de noite, a comédia me toma. Acaba gerando esse custo, né? Antes eu conseguia viver da comédia e pagar as contas, mas veio a pandemia [da Covid-19] e quebrou as minhas pernas”, brinca.
Recentemente, Flauzino voltou a fazer a produção de shows em comedy clubs, sendo a pessoa responsável por organizar e levar o evento para o local. “Eu tinha pausado as produções por problemas com os donos dos bares, mas retornei porque algumas portas se fecharam”, contextualiza.
Uma mina de quebrada no palco
Antes de se desligar do emprego de trade marketing, as corridas em carros de aplicativo eram frequentes na vida de Jessica Bita, 33, moradora do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, para voltar dos shows em segurança.
"Eu e a minha amiga Ali Porto sempre dividimos o Uber. A gente faz questão de acompanhar as apresentações uma da outra para não voltarmos sozinhas. A gente vem na graça de Deus”, brinca.
O pontapé para a comédia foi através do teatro. Jessica participou da Escola de Teatro Macunaíma em 2008 e, entre os anos 2009 e 2010, fez teatro vocacional pela Prefeitura de São Paulo.
A veia humorística foi acentuada nessa época, quando ela notou a facilidade para criar. “Eu conseguia levar uma onda grande de humor. Algumas cenas não eram cômicas e acabavam ficando engraçadas. Era uma tipo uma persona”, recorda.
Nesse meio tempo, cursou a faculdade de publicidade e propaganda, de 2011 a 2014, e se tornou mãe em 2016. Apenas em 2019 ela passou a se dedicar ao stand up comedy – próximo ao início da pandemia, fator que dificultou o novo desafio.
“É difícil até hoje. Meu filho tem seis anos e costumo deixá-lo com a minha mãe para fazer os shows. Tem comediantes mulheres que levam os filhos para o stand up, mas não tenho coragem, justamente porque é complicado voltar”, comenta.
Jessica leva como inspiração os comediantes Thiago Ventura, Murilo Couto, Bruna Louise e Arianna Nutt. “Existem mulheres que estão gigantérrimas, como a Bruna Louise, mas o Thiago Ventura fez com que a gente acreditasse que é possível levar as paradas que acontecem na quebrada para o palco”, explica.
“Gosto da experiência de ser uma mina de quebrada, falar a verdade sobre onde moro e guardar o meu espaço. São poucas minas de quebrada no stand up. Na plateia não são todos que se identificam, mas sempre tem um”, conclui.