A roda de dança se impõe na estação São Bento do metrô, como há quarenta anos. Nelson Triunfo, que já dançava pelo centrão de São Paulo antes da primeira ocupação da estação, está em casa.
Desde que os encontros dos amantes da dança de rua foram retomados, em 2015, neste espaço reverenciado pela cultura hip hop, Nelsão só não cola quando está fora da cidade.
“Me encontra lá, estou curtindo muito essa volta da São Bento”, disse em contato prévio a esta reportagem. Dois dias antes de completar 70 anos, no último sábado de outubro de 2024, encontramos Nelson Triunfo.
O pátio do metrô São Bento fica abaixo do nível da rua, e as escadas que dão acesso à praça redonda, no centro da estação, fazem o local parecer um palco. São mais ou menos três da tarde e a roda está começando.
Roda de dança começa no sapatinho
Três dançarinos se destacam neste começo de tarde. Dois, elegantes, vestem camisas, calças e sapatos sociais reluzentes. Usam chapéus. Nelsão faz um estilo mais rua, com touca azul que guarda a conhecida cabeleira, preservada desde 1972.
A touca faz forte contraste com óculos de lente laranja, que combina com a pochete, amarela, atravessada no peito. Aí desce longa vertical, do pescoço até quase o joelho, coberta com a camiseta em preto e branco da escola de samba Vai-Vai.
E vai chegando gente que parece ter saído do emprego, com mochilas. Jovens e pessoas mais velhas param. Surgem pais e mães com crianças, casais se abraçam. Nelsão e os primeiros da roda, por enquanto, só estão dando uma palhinha.
Dos anos 1970 aos 70 anos de idade
“O surgimento artístico do Nelson Triunfo, mesmo que ainda sem holofotes, foi no começo dos anos setenta. Ele criou o primeiro grupo de dança black do Nordeste, Os Invertebrados, em Paulo Afonso, na Bahia”, conta seu biógrafo, o jornalista Gilberto Yoshinaga, autor de Nelson Triunfo, do Sertão ao Hip Hop.
Nascido na cidade pernambucana de Triunfo, Nelsão morou na Bahia, depois em Brasília, na Ceilândia, que acabava de começar. Chega em São Paulo em 1977 e logo se destaca abrindo rodas de dança no centro da cidade. Apresenta-se com o grupo Funk & Cia.
Na capital paulista, ainda nem se falava de hip hop, que Nelsão estava ajudando a construir. Seu biógrafo faz trocadilho com os anos 70. “Antes da São Bento, ele abria rodas de dança, apanhava da polícia e voltava. Ou seja: se não deu certo, cê tenta de novo”.
Daí em diante, a história é conhecida: jovens começam a se interessar pela dança, passam a ocupar a estação São Bento do metrô, fomentam a cultura hip hop, surgem os grupos de rap. Nelsão faz abertura de novela, grava disco, torna-se um ícone da cultura hip hop.
Presença marcante na roda, aos 70 anos
É praticamente inacreditável que estejamos vendo Nelson Triunfo, aos 70 anos de idade, dançando deslizante na estação São Bento do metrô – quarenta anos depois do início da cultura hip hop no Brasil, cinquenta desde que fundou seu primeiro grupo. “Se eu não fosse dançarino, seria um vagabundo”, responde sem pestanejar.
Enquanto concede entrevista, sempre muito gentil, a roda de dança está pegando. Muita gente em volta e no centro. Querem filmar e tirar fotos com Nelsão. Ouve-se um “deixa o homem dançar”. Então chega, discreto, Marcelinho Back Spin.
Ele estava entre os ocupantes da estação São Bento nos anos 80, e participou diretamente da reocupação o espaço. “Nelsão é meu irmão de rua. Ele vem dos anos setenta, era um artista na Ditadura, tinha atitude, a galera não tem noção do que é isso. Ele é referência e ainda contribui, vem aqui pra dançar”, diz Marcelinho, 58 anos.
Nelsão, um menino se divertindo na roda
Pelos atributos físicos e simbólicos, Nelson Triunfo se destaca na roda. Dança acompanhado, sozinho, é extremamente teatral, faz bicos, aponta para quem realiza um passo interessante. Então sai, dá uma voltinha com os amigos, retorna.
Mais gente quer tirar fotos, fazer vídeos, Nelsão é pura simpatia. Quando dança, em alguns momentos parece em transe. E mesmo quando senta, continua balançando o corpo. Levanta logo, inquieto, e esbanja mais um pouco da arte.
Aí atravessa a roda, pega um chopinho discreto, guardado atrás do pé da mesa do DJ. Toma uns goles no copo plástico médio e passa a ensinar movimentos de braço a um jovem b. boy.
“O que eu diria para ele? O que eu digo sempre quando o encontro: muito obrigado. Nelson Triunfo é meu ídolo, meu herói, meu amigo. Feliz aniversário”, diz Thaíde.
No final da tarde na São Bento, antes de fechar a roda, Nelson Triunfo me diz o seguinte: “Aqui quem canta de galo sou eu, o resto é frango”, declaração que só ele poderia dar. Quem discorda, que chame o homem pro centro da roda.