Os moradores dos bairros Vila Natal e Jardim São Bernardo, no distrito do Grajaú, extremo sul de São Paulo, ganharam uma nova paisagem desde a instalação da estação Bruno Covas/Mendes-Vila Natal, da linha 9-Esmeralda, operada pela ViaMobilidade.
Oficialmente inaugurada em agosto de 2021, ela vem mudando o panorama do local desde 2013, quando as obras tiveram início. Daniel Gomes, 51, administra uma floricultura no bairro há cerca de 10 anos e viu todo o processo de construção e as transformações que ocorreram ali nos últimos anos.
“Desse tempo para cá, muita coisa mudou: construções que não existiam, melhorias no bairro, maior fluxo de gente. O comércio também deu uma alavancada”, diz o comerciante.
Dentre as mudanças mais perceptíveis, a rua Sinfonia Italiana, que fica a poucos metros da estação e faz parte do Jardim São Bernardo, recebeu uma galeria de dois andares recém-inaugurada que abriga academia, loja de roupas, drogaria, pet shop, entre outros comércios. Antes, a maior parte do espaço era um terreno baldio.
Além da galeria, outros estabelecimentos apareceram por ali em anos recentes. Dentre eles, um açougue, uma casa lotérica e uma base da Polícia Militar. Há ainda bares e pizzarias que também viram o movimento crescer, principalmente aos fins de semana.
Sobre o impacto dessas mudanças, Gomes destaca o maior fluxo de veículos. Ele, que costuma se locomover de casa ao trabalho de carro, já percebe o trânsito mais intenso em horários de pico, assim como falta de locais para estacionar.
“Tem dias que não tem lugar para colocar o carro, aí o pessoal começa a colocar no ‘shopping’ [referindo-se à galeria]. Mas com o funcionamento da estação, creio que vão começar a cobrar pelo estacionamento”, diz.
O floricultor destaca ainda que, dentre os novos estabelecimentos que se instalaram na região, sente falta de um banco — qualquer um, de acordo com ele, faria muita diferença, uma vez que as agências bancárias ficam em bairros vizinhos e é preciso se locomover de ônibus ou carro até lá.
O crescimento comercial também tem criado novos postos de trabalho. Ellen Oliveira, 21, que mora perto do terminal Grajaú, e Stephanie Rodrigues, 15, da Vila Natal, são atendentes em uma loja de roupas aberta há menos de um ano.
Ambas se beneficiam de trabalhar perto de casa, especialmente Stephanie, que divide trabalho e estudos. “Em 15 minutos saio de casa e estou aqui”, diz a jovem.
O local também atrai pessoas de locais mais distantes, como é o caso da vendedora Renata Oliveira, 30, moradora da cidade de Embu-Guaçu, na Grande São Paulo, que trabalha em uma ótica também recém-inaugurada.
“Estava trabalhando em Cipó-Guaçu [distrito de Embu-Guaçu] na ótica de uma amiga, e ela precisou fechar por conta do aluguel que era muito caro. Aí a dona daqui perguntou se eu queria vir para cá e eu falei que sim”, conta.
Na rua dos Mendes, que fica atrás da Sinfonia Italiana e também dá acesso à estação, a principal mudança foi o sumiço de residências — todas as casas que haviam ali foram desocupadas desde o início das obras. Além disso, a rua também teve a extensão modificada, com a abertura de uma nova via para passagem de veículos.
Expansão ferroviária pode trazer vantagens e desvantagens
“Uma das formas de definir a periferia é a distância, o tempo que alguém leva para se locomover de onde mora para os lugares de interesse”, explica Gisele Brito, mestre em planejamento urbano e integrante do Instituto Peregum de Referência Negra.
A pesquisadora conta que uma nova linha de trem ou Metrô pode reduzir muito esse tempo de deslocamento e, por isso, essas obras estão consolidadas no imaginário das pessoas como melhorias significativas. Assim, é comum que a instalação dessas infraestruturas traga um dinamismo econômico para uma região, incentivando a abertura de comércios e serviços.
Mas, se por um lado essas transformações trazem benefícios imediatos para a população do entorno, há também possíveis efeitos negativos. Como continua Gisele, o fenômeno “cria uma supervalorização, às vezes repentina, e as pessoas que foram morar naquela região periférica, justamente porque o aluguel ou a terra eram mais baratos, começam a não ter mais condição de morar ali”.
“E aí o que acontece é que elas vão se periferizar mais ainda, vão para lugares mais distantes”, explica a pesquisadora, destacando que eventos assim são relativamente comuns em bairros periféricos de São Paulo. Como exemplos, ela cita o Campo Limpo, na zona sul, a Vila Sônia, na oeste, e a região da linha 15-Prata do monotrilho, na leste.
Em todos os casos, a expansão da malha ferroviária vem alterando a paisagem com a construção de grandes prédios comerciais e residenciais que, tanto pelo valor quanto pelo aumento da formalização, acabam sendo inacessíveis para parte das pessoas que viviam ali até então.
Gisele ressalta que a própria legislação urbana prevê maneiras de promover obras como essas garantindo a permanência da população, como a ação de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) progressivo e a demarcação de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), por exemplo. Cabe ao poder público estabelecer essas políticas.
“Claro que depois de alguns anos, quando passarmos por ali, a gente vai pensar ‘nossa, que lugar legal!’. [Mas] é muito fácil esquecer a população que é removida, que tem que sair dali porque o ‘desenvolvimento’ tirou ela de lá”, reflete.