Festival quer mudar imagem violenta do Bate-bola no RJ

Marcelo D2 foi homenageado e desfilou em Rocha Miranda. Levantamento inédito revela movimento de R$ 30 milhões anuais

12 fev 2024 - 05h00
“Viver todo o ritual de preparação da saída, ver minha família, amigos e toda a rapaziada vestidos de Marcelo D2 é uma emoção que não tem como descrever”, declarou o rapper
“Viver todo o ritual de preparação da saída, ver minha família, amigos e toda a rapaziada vestidos de Marcelo D2 é uma emoção que não tem como descrever”, declarou o rapper
Foto: Reprodução Instagram

Com expectativa de reunir mais de 50 mil pessoas, acontece hoje, às 18 horas, o primeiro Festival Estadual de Bate-Bola do Rio de Janeiro, reunindo 21 grupos em concurso de fantasia e festa para a comunidade da região de Campo Grande, zona oeste. A folia acontece na Praça do Samba, em Santa Margarida.

Tradição secular dos subúrbios cariocas, especialmente das zonas oeste e norte, os grupos de Bate-bola costumam ser associados à agressividade. Marcelo D2, na música 1967, canta que “andava pelas ruas vestindo o meu bate bola, se tu passasse na minha frente era melhor tu sair fora”.

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Mas ele parece não acreditar mais nisso. No final de semana, foi homenageado e desfilou na Turma do Sucesso, de Rocha Miranda, sem nenhuma treta. Emocionado, após a festa declarou que “foi a coisa mais incrível que vivi nos últimos tempos”.

As comunidades querem valorizar a tradição e o lado econômico. Segundo o levantamento inédito da Associação Estadual Folclórica do Estado do RJ, que promove o Festival, os grupos, também chamados de Clóvis, movimentam R$ 30 milhões anualmente.

Clóvis movimenta muita grana

O 1º Mapeamento da Economia Criativa Periférica do Folclore Carioca revela que a cadeia produtiva envolve eventos culturais, gastronômicos, moda e artesanato, entre outros. É o que constatou Mônica Xavier, que esteve à frente do levantamento.

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“A periferia é capaz de criar soluções dentro das condições mais adversas, principalmente nas favelas. Muitas delas concentram pequenos ateliês que fazem indumentárias, fantasias e adereços, produzindo tudo que os bate-bolas usam, como roupa, luvas, meias, sombrinhas, bandeira, entre outros componentes da fantasia.”

Produção de fantasias é uma das atividades fortes da economia criativa do Carnaval suburbano carioca
Foto: Tomaz Silva/AB

Diante do espanto do repórter, ela exemplifica: “Uma turma tem de 30 a 60 componentes. O valor de uma fantasia varia de R$ 2.000 a R$ 3.000. Só aí, o investimento pode chegar a R$ 180 mil por grupo. Pega isso e multiplica por quase cem turmas existentes”.

Além das fantasias, durante o ano são realizados eventos como churrascos e festas juninas, para arrecadação de fundos. Hoje, em Campo Grande, o comércio do entorno bombará, especialmente com consumo de comidas e bebidas. Se reunir 50 mil pessoas e cada folião gastar R$ 10, será meio milhão de reais.

Reconhecimento oficial e mudanças

Se tretas, tretinhas e tretonas queimam o filme dos foliões, o reconhecimento institucional do Bate-bola ajuda na reconstrução simbólica. Um passo importante foi dado em 2012, quando a Prefeitura do Rio de Janeiro declarou os grupos de Clóvis como Patrimônio Cultural Carioca. 

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Existe edital específico para fomento cultural, iniciativa estadual para salvaguarda das manifestações folclóricas do Rio de Janeiro e, no ano passado, foi instituído oficialmente o Dia do Clovis, a ser comemorado em 27 de novembro.

Segundo Mônica Xavier, tem havido a inclusão de mulheres em uma manifestação masculina, além da aproximação com grafiteiros. No Festival de hoje, ao menos um grupo é feminino, o Empoderadas. E, antes da saída das turmas, artistas ligados ao hip hop pintam muros para marcar a data.

Sem máscara e com filho no colo, só pra foto. Luiz Carlos Santos Junior, da Turma do Nestor, presidente da Associação Estadual Folclórica do Estado do RJ
Foto: Arquivo pessoal

Em sua pesquisa de mestrado, Aline Valadão Pereira afirma que, ao invés de entender o Bate-bola pelo viés da tradição, mais produtivo é enxergar “suas transformações e diferenças”

Pequena explicação sobre o carnaval periférico

Conforme escreveu a antropóloga Alba Zaluar, enquanto o Carnaval midiático das grandes escolas de samba é o principal produto turístico do Rio de Janeiro, o Bate-bola é um “carnaval subterrâneo” das “zonas periféricas da cidade”.

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A manifestação cultural é do início do século passado. O nome vem do gesto de bater bola no chão, assustando as pessoas com o barulho. As bolas eram feitas de bexiga animal, porco ou boi, secada, inflada e amarrada a um bastão. As bexigas ganharam versão industrializada, de plástico. O sinônimo Clóvis provavelmente veio da palavra “clown”, palhaço em inglês.

A tradição impõe uma fantasia dos pés à cabeça e os grupos de Bate-bola se dedicam ao esplendor da roupa, conforme se pode ver no documentário Carnaval, Bexiga, Funk e Sombrinha.

A queima de fogos é para o auge da festa, quando as turmas de Bate-bola saem às ruas, após um ano inteiro de preparação
Foto: Tomaz Silva/AB

Como se monta uma fantasia

Os símbolos de identificação das turmas de Bate-bola começam pelo nome, passam pelo emblema e o bandeirão, como dos times de futebol, e incluem a camiseta, que é usada no dia a dia da comunidade, com grande orgulho.

A fantasia valoriza o calçado, meião, luvas e máscaras. A parte principal, chamada macacão, pode ter capa e casaca. Na mão dos foliões – e, cada vez mais, das folionas – estará a bola amarrada a uma cordinha, presa ao pequeno mastro. É o instrumento do barulho, que pode ser substituído por sombrinha.

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Fantasia completa de membro da turma de Bate-bola Sai Quem Quer, de Cascadura, zona norte do Rio de Janeiro
Foto: Tomaz Silva/AB

As imagens estampadas nas fantasias são, em geral, de personagens da mídia, de desenhos animados a heróis de filmes. A essência, para deixar a fantasia cheirosa, finaliza a montagem. 

A saída às ruas é o auge da festa, acompanhada por queima de fogos. Podem rolar os hinos das turmas, funk, samba. Então é sair pro abraço, pular junto ou correr dos bate-bolas, que brincam de assustar as pessoas.

Fonte: Marcos Zibordi Colunista do Visão do Corre
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