João Gilberto está vendendo balas, mas quer tocar seu violão

Com nome de artista famoso, ele é o típico operário da arte: faz vários corres para sobreviver, sem desistir da música

26 ago 2024 - 11h47
(atualizado às 12h01)
Resumo
Artista emblemático da Bossa Nova morto em 2019, João Gilberto inspirou uma mãe de Presidente Prudente, no interior paulista, a dar o mesmo nome ao filho. João Gilberto Sales Costa, menos famoso que o ídolo, foi criado em ambiente musical, fez carreira em grupos de samba e mora em Osasco. Está na batalha pela sobrevivência cotidiana e artística.
Trabalhando em uma calçada de Osasco, o compositor e cantor João Gilberto está pronto para sacar o violão a qualquer momento.
Trabalhando em uma calçada de Osasco, o compositor e cantor João Gilberto está pronto para sacar o violão a qualquer momento.
Foto: Marcos Zibordi

João Gilberto Sales Costa nasceu em 27 de maio de 1982, dias antes da Copa do Mundo de futebol realizada na Espanha. Natural de Presidente Prudente, interior paulista, foi chamado de Renato durante uma semana, até o dia em que a mãe decretou “tem cara de João Gilberto”.

A mãe, do lar, gostava de cantar. O pai, técnico em segurança do trabalho, tocava banjo e cavaquinho nas horas vagas. Ouviam Fundo de Quintal, Beth Carvalho, Almir Guineto, MPB, música preta americana. Faziam pagodes em casa e os tios de João Gilberto eram envolvidos com bailes.

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Não deu outra: o menino da Vila Luso, a quebrada mais próxima do centro de Presidente Prudente na época, brincava mais com o pandeiro do que com os carrinhos. Foi crescendo em meio à música. Viu os clipes de Michael Jackson e, diante de Thriller, lançado no ano em que nasceu, “tinha medo, mas ficava fascinado”.

João Gilberto fez carreira em grupos de pagode, mas quer mostrar suas composições com voz e violão, nem que for na calçada.
Foto: Marcos Zibordi

Formou e desfez bandas na adolescência, tocou percussão e cavaquinho, reprovou algumas vezes na escola. “Sempre soube que queria música”. O violão, instrumento do mestre que inspirou seu nome, chegou aos 21 anos. “Fiz rolo com um camarada, arrumei um violão e ele me ensinou duas músicas do Cazuza”.

João Gilberto quer o banquinho e o violão

Na carreira de músico, a habilidade com o pandeiro e outros instrumentos percussivos levou João Gilberto a tocar em vários grupos de pagode. Tem orgulho da trajetória, mas não quer mais ser “o cara da percussão”.

Aos 42 anos, e apesar da dificuldade econômica, está decidido a realizar seu dom. “Sou compositor, quero cantar minhas músicas, tocando meu violão”, resume em uma calçada de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo.

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A reportagem do Visão do Corre encontrou João Gilberto vendendo balas próximo à estação Comandante Sampaio. A simpatia, o traje colorido, a pochete atravessada no peito, entre outros detalhes, indicavam que vender bala de eucalipto não era sua atividade principal.

João Gilberto improvisa base de violão para Dahora Nayara, rapper que trabalha na região onde o músico vende balas.
Foto: Marcos Zibordi

Apesar disso, “se eu não fosse músico, seria vendedor. Vendo bem demais, você não acredita”. Foi assim que vendeu cópias do seu único disco, lançado em 2008, intitulado Cigarro e Café.

Obra de voz e violão, foi gravado no Pará, onde João Gilberto viveu por um ano. “Vendia nos barzinhos, tirava uns duzentos reais por noite, vendi um monte”. Mas as pessoas foram parando de consumir CDs.

Vida de músico andarilho

João Gilberto muda de cidade desde a infância. O trabalho do pai deslocava a família pelo interior paulista. Adulto, além do Pará, morou na capital paulista, trabalhando em estúdio de gravação, enquanto fazia frilas como músico.

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Com o falecimento da mãe, voltou para Presidente Prudente. Perdeu a filha 15 dias depois. Teve depressão, gravou disco de rap, vendeu cópias que “ajudaram a garantir o sustento”. Parou de beber, de comer carne, promoveu pagodes em casa, tocou com grupos da região, até que veio a pandemia.

A percussão, especialmente o pandeiro, ajudou a construir boa parte da carreira musical de João Gilberto.
Foto: Divulgação

A solução foi fazer o corre vendendo pão de mel produzido pela namorada. A verve de vendedor garantiu novamente o sustento, e continuou na música. Montou a banda Nave Mãe. “Fomos a banda que mais trabalhou durante a pandemia”, conta rindo.

“A banda era tudo aquilo que eu sou: MPB, samba, reggae. Era baixo, bateria, violão e voz. Eu assumi o banjo e a voz”. Divergências pessoais e conceituais, sobre estética musical, desfizeram a banda. Então João Gilberto foi para a aventura atual.

Nos corres em Guarulhos e em Osasco    

Após o fim da banda Nave Maria (nome inspirado em música de Tom Zé), João Gilberto saiu do interior paulista para tocar com um grupo de pagode em Guarulhos. Foi há um ano. “Estava tudo certo, aluguei uma casinha, durou seis meses”.

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João Gilberto do jeito que mais gosta, conduzindo voz e violão. “É uma música da vida”, explica.
Foto: Divulgação

Ainda tocando pandeiro, passou a integrar outro grupo, em Osasco. Mais seis meses. “Cheguei à conclusão de que não quero tocar para os outros. Não é arrogância. Quero tocar meu violão e minhas músicas”.

Por enquanto, João Gilberto – ou Gato Félix, apelido que assumiu – mora no Jardim Nova São Pedro, quebrada de Osasco. Não quer voltar para o interior. Vende suas balas e continua compondo.

“A minha música vem de outro planeta. É celestial porque falo do sol, da energia da terra, das raízes, de elevação espiritual. É uma música da vida”, explica após cantar Maracujá, composição sua. “O cara fica calminho”.

Fonte: Visão do Corre
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