Kisha, rapper paulistana, conta sua história de vida e o corre no mundo das rimas nas batalhas, trens e metrôs. Ela lembra da infância, da escola, da fuga de casa, de como começou a rimar e faz um pedido em relação à identidade da cultura hip hop.
A praça dentro da favela de Heliópolis mais uma vez está cheia, aguardando outra edição da batalha de rima. Ao redor, crianças jogam bola, ambulantes vendem cervejas e refrigerantes antes mesmo de começar a Batalha do Helipa. Mas Kisha, desta vez, não vai até o final.
Após uma desclassificação, portando duas malas com suas roupas, ia embora, esquecida da entrevista combinada. Entretanto, voltou para contar sua história de trombadas e voos. Na mesma praça onde continuava o fuzuê da batalha de rima, a entrevista dura longo tempo.
Kisha, como é conhecida, veste calça jeans, moletom branco e um Nike cinza com detalhes também em branco. Está com suas tradicionais tranças rosas, agredidas na Estação da Luz, em São Paulo, em março de 2024.
Ela prefere não tratar do tema. A “mina que sobe no palco e rima”, conforme se apresenta no Instagram, é mais do que o episódio de agressão cujos vídeos viralizaram.
Vai para a casa da mãe, que não está
A relação familiar tende a ser assunto delicado, mas não pareceu ser um problema para Kisha. O pai, um “comédia”. Relata tentativas de feminicídio sua e da mãe, violências com a irmã mais nova, as pessoas que Kisha considera sua família.
Aos sete anos, fugiram do pai e começaram uma nova vida. Coincidentemente, foi sete anos depois que viu a necessidade de fugir de casa e se virar sozinha. Outra vez, o assunto delicado, mas novamente não se acanhou de falar.
Contou de traumas com o ex-marido marido da mãe, que teve depressão. A saída de casa foi consequência do assédio do novo homem com a qual a progenitora se relacionava.
Não podia recorrer às autoridades, queria preservar a família. “Se eu contasse pra minha mãe, a gente ficava sem onde morar, então eu preferi ser a rebelde e fugir de casa mesmo”.
O preconceito na escola
No oitavo ano, Kisha parou de estudar. Não aguentava o bullying que sofria. Quando ele mascara o racismo, pode ser a gota d’água. “Mano, por ser preta, por ser pobre, tá ligado? Por ser favelada, por não ter o que minhas amigas tinham.”
Ficou a amarga lição, que hoje alimenta a atitude artística recorrente de Kisha: chegar e rimar no palco, na praça ou no trem, ignorando o fato de estar sendo excluída. Dar as caras, mesmo sabendo que as pessoas em volta não querem o seu bem.
Para saber como o rap entrou na vida de Kisha falamos de sua primeira batalha. Foi em Itapevi. Perdeu “muito feio”, diz dando risadas. Mas Kisha voltou à mesma rinha poética e conseguiu sua primeira vitória.
“Parem de colocar gente branca nessa”
A entrevista acaba entrando no tema das tranças arrancadas na estação da Luz. Muitos conheceram a rapper através de uma situação infeliz. Por outro lado, Kisha utiliza as redes sociais para mostrar seu trabalho, batalhas, freestyles no trem.
O trem é o lugar onde faz suas rimas quando não está batalhando em praças por toda São Paulo e outras cidades. Mas agora, em Heliópolis, Kisha pede para terminar a entrevista com um recado relacionado à cultura rimadora de rua. “Parem de colocar gente branca nessa”.