Para Alex Sousa, 20, a bicicleta permite uma conexão com a cidade. Morador de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, ele pedala desde os oito anos. Aos 13, a pedalada ganhou um movimento que começou a ganhar força em várias periferias de São Paulo.
“O desafio era só tirar a roda do chão, a gente não sabia que iria se tornar o que é hoje”, conta o criador do grupo “A Rua é Grau”, formado por jovens que usam a bicicleta para fazer manobras em espaços da cidade. “Na época que eu comecei, a gente ainda não chamava de grau, era empinar”, relembra.
O estilo pouco a pouco é visto como um novo esporte de rua. O grau é uma manobra específica e consiste em andar com a roda da frente para cima e a roda de trás no chão. Daí surgem algumas variantes, como a manobra “automático”, que é andar sem as duas mãos e o “quebrão”, que é desviar de algum obstáculo.
Há outras mais complicadas, como a “suicida”, movimento de colocar os pés no banco. “Era uma coisa muito de desafio, adrenalina. Quando você é mais novo você não vê o risco que está correndo”, diz Alex.
Um dos membros do “A Rua é Grau” é Gustavo do Vale, 18, morador do Jardim São Luís, também extremo sul da capital. Um vídeo dele no TikTok mostrando o encontro de jovens teve mais de 1 milhão de visualizações.
“Comecei com o grau por volta dos 13 anos, por conta dos meus amigos do bairro que me inspiraram”, conta.
Utilizar equipamentos de segurança durante os treinos é indispensável, contam os ciclistas, mas muitas pessoas não seguem essa dica. “Quando comecei eu ia de chinelo e short, nem camiseta usava. Nunca caí e me machuquei ao ponto de sentir medo de tentar de novo”, explica Gustavo.
Os encontros ganharam força na região central desde o começo da pandemia de Covid-19. Segundo Alex, o período de isolamento reuniu vários adolescentes de 14 e 15 anos, que tinham uma bicicleta e pedalavam só perto de casa. Os últimos eventos foram na Avenida Paulista, Vale do Anhangabaú e Largo da Batata.
“A ideia de ocupar o centro é popularizar [o grau] para que a gente não sofra mais esse preconceito”, afirma.
“Normalmente quando as pessoas veem outras semelhantes a mim, que vieram da periferia, costumam se assustar, achar que é um monte de gente bagunceira e mal educada, quando na real não é isso”, diz Alex Sousa.
O criador do grupo “A Rua é Grau” leva os encontros como forma de empoderar a cultura periférica em lugares que não são bem vistos.
Em geral, as práticas são feitas em ruas menos movimentadas ou até mesmo fechadas e praças, evitando o conflito com pedestres e outros veículos. Porém, para Alex, ainda falta um espaço para que o grau seja praticado.
“Se você anda de skate, em alguns parques e praças têm o espaço para andar. Se você joga futebol, tem uma quadra para você jogar, o grau não. A rua não é o local adequado, no parque arrumam confusão conosco”, ressalta.
Segundo a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer de São Paulo, há dois locais destinados à modalidade na cidade – não especificamente para a prática do grau.
Um deles fica no Centro de Esportes Radicais, localizado na Avenida Presidente Castelo Branco, 5.700, no Bom Retiro, com horário de funcionamento das 7h às 22h.
O outro local, que também não é em uma região periférica, é a pista de bicicross que fica dentro do Parque das Bicicletas, na Alameda Iraé, 35, em Moema, distrito da zona sul. É possível utilizar o espaço das 6h às 22h.
244
Além de reivindicar mais espaços, uma parcela dos adeptos do grau defende que a prática não é crime.
O Artigo 244 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) diz que “conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor fazendo malabarismo ou equilibrando-se apenas em uma roda, além da condução da moto sem capacete e outros, é crime de trânsito com infração gravíssima, levando a multa e suspensão do direito de dirigir”. Não há, contudo, referência a bicicletas.
Muitas letras de funk também fazem referência ao artigo cantando que “244 não é crime”, mesmo a lei se referindo apenas a motocicletas e não a bicicletas. As músicas “244 – Chama no Grau”, de MC Braz, e “244 Não é Crime”, de MC Iguinho da Capital, são alguns exemplos.
“A gente defende a ideia do ‘244 não é crime’ pois acreditamos que não está interferindo na vida de ninguém, pessoalmente eu levo o grau como um esporte da periferia”, conta Gustavo.
Até a mãe dele é uma das incentivadoras, embora reclamasse no início. Ele a tranquilizava mandando fotos e vídeos dos eventos, agora é ela quem divulga o filho. “Direto ela posta meus vídeos mandando grau.”
No caso de Alex, é diferente. Ele conta que a mãe sonha que ele venda a bicicleta.“Até entendo a preocupação dela. Andar de bicicleta na maior metrópole da América Latina não é uma missão fácil. Mas quando ela começou a ver o reconhecimento pelo esporte, ficou mais tranquila”, comenta.
Ele diz acreditar que quando conseguirem mostrar que é um movimento organizado e seguro, mais pessoas vão aderir.